Há cerca de dois anos, o menino Maycon Cavalcanti Alcântara, 4 anos, teve a primeira convulsão decorrente da epilepsia. Desde então, tem até oito crises diariamente, o que totaliza mais de 200 por mês. Para controlar os episódios, ele já fez uso de várias medicações convencionais, que não apresentaram eficácia. O garoto representa um dos poucos pacientes no Brasil que ganharam o direito de receber gratuitamente do Estado o canabidiol (CBD), substância encontrada na maconha.
A decisão é do juiz Haroldo Carneiro Leão Sobrinho, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Recife. “Estamos agora à espera da compra do medicamento pela Secretaria de Saúde de Pernambuco. Vamos ficar em cima até ter o CBD em mãos”, conta o pai de Maycon, o profissional autônomo Jackson Alcântara, 40. Na terça-feira (16), o Diário Oficial da União publicou decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) de liberar a prescrição do CBD para tratamento de crianças e adolescentes como Maycon, com epilepsia e convulsões que não tenham respondido bem a outras medicações.
A resolução do CFM, na opinião de alguns médicos, tem lacunas porque limita a prescrição de um produto que, na prática e na literatura médica, apresentou eficácia para doenças como esclerose múltipla, Alzheimer, Parkinson, alguns tipos de câncer e dores neuropáticas. “Não ficou clara a questão sobre os critérios usados pelo CFM para limitar o uso do CBD por uma faixa etária com um determinado problema de saúde. Por que não autorizar a aplicação de outros derivados da planta? E por que só neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras estão aptos a fazer a prescrição do medicamento?”, questiona o médico Pedro da Costa Mello Neto.
O médico, que atua em Pernambuco, já é membro da Associação Medicinal da Maconha, criada no Rio de Janeiro no sábado (13). Segundo Pedro, a entidade tem como objetivo defender o uso da substância por quem se enquadra nos critérios para uso dos derivados da planta através do cultivo e importação de maneira legal. “Já sabemos que o produto, quando bem indicado, ajuda a reduzir crises convulsivas e, consequentemente, melhora o estado de alerta do paciente, o tônus muscular e o desenvolvimento psicomotor”, explica.
No caso de Maycon, cuja família conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em caráter excepcional, para importação do CBD, já foi observada melhora do quadro clínico com uma ampola do produto. “Em 15 dias de uso, ele só teve uma crise diariamente, passou a interagir mais e ficou mais esperto. Mas não temos condições de custear a medicação. Por isso, a decisão judicial chegou em boa hora”, relata o pai de Maycon.
Embora os médicos passem a ter chancela do CFM para receitar CBD em alguns casos, a substância continua classificada pela Anvisa como de uso proscrito – ou seja, só pode ser importada após autorização da agência e da apresentação de documentos por parte dos pacientes. Até agora, a Anvisa recebeu 297 pedidos de importação de canabidiol para uso pessoal (238 foram autorizados).
A professora Ingrid Farias, 25, é mais uma paciente que recorre à substância encontrada na maconha. “Já fiz uso de vários medicamentos para tratar dor crônica. Só consegui ficar bem depois que comecei a usar o produto por indicação médica”, conta Ingrid, representante do Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco. “Precisamos trabalhar para ampliar o debate sobre os benefícios da maconha medicinal”, ressalta Ingrid.