entrevista - Carlos Brito

Zika/Microcefalia: 'É um novo capítulo na história da medicina'

Um dos responsáveis por comunicar o governo federal sobre o avanço dos casos de microcefalia, o médico Carlos Brito, 47 anos, conversou com a repórter Cinthya Leite sobre a confirmação da relação entre zika e microcefalia. Brito é membro do Comitê Técnico de Arboviroses do Ministério da Saúde

Cinthya Leite
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Cinthya Leite
Publicado em 29/11/2015 às 7:57
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Um dos responsáveis por comunicar o governo federal sobre o avanço dos casos de microcefalia, o médico Carlos Brito, 47 anos, conversou com a repórter Cinthya Leite sobre a confirmação da relação entre zika e microcefalia. Brito é membro do Comitê Técnico de Arboviroses do Ministério da Saúde - FOTO: Foto: JC Imagem
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JC – Qual o seu sentimento ao saber que foi confirmada a relação entre o vírus da zika e a microcefalia?
CARLOS BRITO – É a sensação de que Pernambuco realmente saiu na frente na construção de uma hipótese, que precisava ser confirmada o quanto antes diante do aumento incomum do número de recém-nascidos com microcefalia que estava sendo percebido pelos neuropediatras do Estado. Já no dia 19 de outubro, vimos a necessidade de investigar a fundo essa hipótese, que considerava as arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos) como um novo agente causador da microcefalia. O evento fugia do padrão comum de ocorrência dessa anomalia, que tem como causas habituais a toxoplasmose, a rubéola e o citomegalovírus. Felizmente essa investigação correu de forma muito rápida. A contar do dia 19 de outubro, em menos de uma semana, estava formada uma força-tarefa em Pernambuco que levou o caso para o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde.

JC – Em suas entrevistas, o senhor sempre falava com muita segurança sobre essa hipótese, ontem confirmada. Como construiu esse raciocínio?
CARLOS – Considero que Pernambuco viveu uma epidemia de zika no primeiro semestre do ano, com um pico em março. Acredito que, dos casos de dengue notificados este ano no Estado, 80% sejam, na realidade, de zika. Fizemos um estudo de base hospitalar em Pernambuco que investigou cerca de 1,1 mil pacientes atendidos, nos cinco primeiros meses deste ano, na emergência de um hospital particular da capital pernambucana. Desse total, 81% preencheram critérios clínicos de zika. A maioria das mulheres que deu à luz um bebê com microcefalia, principalmente em outubro, relatou muitos desses sinais no primeiro trimestre da gestação, que coincide com o período da epidemia de zika, vírus que tem uma predileção por atacar o sistema nervoso central. Era o agente novo que observávamos para esse aumento de casos. Para mim, ficou mais do que evidente fazer a relação entre zika e microcefalia quando se encontrou o vírus em amostras de líquido amniótico de gestantes da Paraíba. Agora, com a presença do zika em amostras de sangue e tecidos de um bebê com microcefalia que foi a óbito, está totalmente comprovada essa relação.

JC – Mas também há mães que relatam sintomas de zika e não tiveram bebês com microcefalia. Por outro lado, há outras que não tiveram esses sinais e deram à luz uma criança com essa anomalia congênita. Como explicar isso?
CARLOS – Os estudos epidemiológicos agora precisam fazer essa investigação. Precisamos fazer um estudo de caso-controle que leve em consideração fatores de risco que podem estar correlacionados ao vírus. É preciso considerar o momento da gestação em que a mulher foi exposta ao zika, a faixa etária, o número de gestações e relatos de outras infecções, até mesmo antes da gravidez. Os estudos precisam considerar fatores genéticos que podem proteger algumas pessoas de infecções graves. Há pessoas que podem ter algum mecanismo de defesa.

JC – Esse achado é mais um motivo para o Brasil reforçar a mobilização de controle do mosquito transmissor da zika, o Aedes aegypti. Estamos longe de combatê-lo?
CARLOS – Acredito que a eliminação do mosquito não será resolvida a curto prazo. Mas a população precisa também fazer a parte que lhe cabe, ao adotar atitudes que podem ajudar a acabar com os criadouros do mosquito. O Brasil tem que trabalhar, ampliando as estratégias existentes. E será preciso investir mais recursos para antecipar o desenvolvimento de vacinas para as arboviroses, incluindo a zika.

JC – O olhar da comunidade científica para o vírus da zika muda?
CARLOS BRITO – Confirmada a relação entre o vírus da zika e a microcefalia, passamos para uma nova fase. É preciso compreender, cada vez mais, o comportamento do vírus e suas complicações. Não tenho dúvidas de que estamos inaugurando agora um novo capítulo na história da medicina. 

Confira abaixo entrevista de Carlos Brito antes da confirmação do Ministério da Saúde

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