Ao mesmo tempo em que transmite vírus que preocupam as autoridades de saúde e a população em geral de todo o planeta, o Aedes aegypti pode ter ação benéfica sobre doenças inflamatórias do intestino. É o que revelam os primeiros resultados de testes laboratoriais realizados durante pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. O estudo, coordenado pela imunologista Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, mostra que o extrato da glândula salivar do Aedes é eficaz ao tratar camundongos com inflamação intestinal.
“Se o mosquito consegue picar e induzir um certo controle da inflamação na nossa pele, será que substâncias de sua saliva também não poderiam ser usadas para tratar doenças de cunho inflamatório?”, questiona Cristina. A pesquisa foi iniciada em camundongos, que desenvolveram colite (inflamação do intestino) ao ingerirem uma droga chamada dextran sulfato de sódio, que foi adicionada à água. Assim, os animais passaram a apresentar sintomas da inflamação intestinal, como diarreia, perda de peso e sangramento intestinal. Em seguida, foi iniciado tratamento com extrato de saliva do mosquito. Após três ou quatro dias, os camundongos apresentaram diminuição dos sinais relacionados à gravidade da colite.
“Esses problemas do intestino são um protótipo de doenças inflamatórias. É assim que conseguimos ter base para estudar diversas outras, como diabete tipo 1, artrite reumatoide e hepatite autoimune”, informa Cristina. Ela acrescenta que colegas do mesmo grupo de pesquisa do qual ela faz parte investigam o efeito do extrato salivar em modelos dessas outras doenças inflamatórias ou autoimunes. “É o excesso de inflamação causado pela imunidade que começa a atacar o organismo. Na diabete, o ataque de inflamação é contra o pâncreas; na hepatite, é contra o fígado; na doença inflamatória intestinal, é contra o intestino; na esclerose múltipla, é contra o sistema nervoso central.”
Não há previsão para a pesquisa ser iniciada em humanos, pois ainda é necessário mais tempo de fase pré-clínica. “Precisamos terminar de isolar as moléculas da saliva do mosquito, que têm um grande potencial de se tornar medicamentos. Os testes iniciais foram promissores. Conseguimos detalhar os mecanismos que a saliva usa para tratar a doença, mas devemos dar mais alguns passos em laboratório.”
Os primeiros resultados do estudo foram publicados na revista científica International Immunopharmacology. A pesquisa é parte da tese de doutorado do biomédico Helioswilton Sales de Campos, orientado por Cristina. A expectativa é de que, no fim da investigação, seja possível oferecer mais uma opção terapêutica às pessoas com doenças inflamatórias do intestino. “Há muitos pacientes resistentes aos tratamentos atuais, que são caros. E às vezes, a única opção é a cirurgia, que remove o intestino. Então, é preciso ampliar esse leque de tratamento”, observa a pesquisadora.