O período prolongado de estiagem, em municípios do Agreste e do Sertão de Pernambuco, tem contribuído com o aumento do número de casos e óbitos por doença diarreica aguda (DDA), segundo as autoridades de saúde. De janeiro ao dia 10 de junho deste ano, foram registrados 149.640 casos de diarreia, com 95 mortes, o que faz Pernambuco se manter em alerta em relação à ocorrência do problema. O número de doentes deste ano já ultrapassa o do mesmo período de 2016, que teve 144.293 casos. Em comparação com o 1º semestre de 2015, o salto também é grande: hoje já são mais de 46 mil casos em relação aos primeiros seis meses daquele ano. Atualmente, já há notificados 47 surtos (ocorrência de vários casos com o mesmo sintoma numa determinada localidade) – três a mais do que no mesmo período de 2016. As faixas etárias que concentram o maior volume dos óbitos correspondem aos grupos que estão nos extremos da vida (crianças e idosos). Neles, os casos graves de diarreia podem ser fatais, mesmo numa época em que a medicina sabe os caminhos que devem ser seguidos para se prevenir mortes pela doença. No meio de tantas dúvidas, o Jornal do Commercio reuniu o que médicos e autoridades de saúde já sabem sobre os surtos.
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- Qual a causa dos surtos?
Os resultados da investigação laboratorial da água de consumo humano, nos locais onde houve surtos de diarreia em Pernambuco este ano, deram positivo para a bactéria Escherichia coli em 16 amostras. A análise, do Laboratório Central de Pernambuco (Lacen-PE), também examinou 132 amostras fecais: 22 positivaram para agentes infecciosos, com predomínio da bactéria Salmonella sp (11 confirmações), seguida por norovírus (3), Escherichia coli, Shigella flexneri e adenovírus (1 confirmação para cada), além de cinco amostras em que substâncias químicas foram isoladas. Esses achados em que prevalecem bactérias diferem dos resultados acumulados no ano passado, quando os casos de diarreia apresentaram maior relação com vírus.
- Onde os casos de diarreia têm se concentrado em Pernambuco?
Os dados foram divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), que se preocupa com o aumento de casos em municípios do Agreste de Pernambuco, com destaque para duas Regionais de Saúde, com sedes em Caruaru e Garanhuns. Em ambas as áreas (juntas congregam 53 cidades), houve este ano aumento de 40% e 50% dos casos de diarreia aguda, respectivamente, em comparação com o mesmo período de 2016. “São municípios que sofrem com a seca, o que faz a população armazenar água em casa. Isso favorece o risco de contaminação, principalmente quando as pessoas manipulam a água. Também verificamos carros-pipa com água contaminada e poços sem tratamento”, informa a gerente de Vigilância de Riscos Ambientais da SES, Rosilene Hans.
- Por que o predomínio das bactérias nos surtos preocupa mais do que os vírus?
Para Rosilene, o fato de bactérias terem sido isoladas nas amostras de fezes e de água representa uma preocupação porque a infecção, nesses casos, é caracterizada por mais sinais e sintomas da diarreia. “A prostração tende a ser mais intensa do que os casos associados a vírus.” Não existe, segundo Rosilene, níveis aceitáveis de Escherichia coli em água. “Se a bactéria for isolada, significa presença de fezes.” Para os médicos, casos de diarreia associados a bactérias podem realmente trazer mais preocupação do que a infecção por vírus. “São pacientes que geralmente precisam ser tratados com antibióticos. Eles apresentam presença de muco ou sangue nas fezes, além de febre persistente. Outro detalhe é que a Escherichia coli também pode causar infecção urinária”, esclarece a infectologista Andrezza de Vasconcelos, dos Hospitais Jayme da Fonte e Getúlio Vargas.
- Qual a gravidade da bactéria salmonela, que prevalece nas amostras fecais?
A salmonela, que foi encontrada nas amostras fecais, é mais uma bactéria que exige alerta porque apresenta potencial alto de infectar o trato digestivo e também de percorrer a corrente sanguínea, segundo destaca o gastroenterologista Severino Santos, professor da Universidade de Pernambuco (UPE). “A gravidade do quadro depende muito da carga de bactérias que a pessoa recebe. Na maioria das vezes, um paciente com boas condições de saúde consegue vencer a infecção espontaneamente, o que pode acontecer em cinco dias após o início dos sintomas da diarreia. Se passar disso, geralmente é necessário fazer uso de medicação”, esclarece Severino.
- Em que casos os vírus, encontrados nas amostras de água e fezes, podem ser tão preocupantes quanto as bactérias?
Os resultados de exames realizados em amostras de fezes e de água coletadas nos locais onde houve surtos de diarreia em Pernambuco revelam a predominância de bactérias, mas também apresentam vários outros agentes infecciosos associados ao adoecimento coletivo. “Isso favorece até o risco de as pessoas se contaminarem por vários deles”, ressalta Rosilene Hans. Ou seja, assim como em outras doenças, pode haver um caso de coinfecção (envolvendo mais de um vírus e bactérias) por trás das diarreias.
CUIDADOS
- Quais os sinais de alarme da diarreia?
A infectologista Andrezza de Vasconcelos orienta em relação aos sinais de alarme da diarreia. “Mucosa da boca ressecada, diminuição do volume da urina (que também pode ficar amarelada) e pele seca são manifestações que exigem cuidado, pois refletem desidratação.” Em pacientes com comorbidades (doenças crônicas, como hipertensão e diabetes), o quadro tem maior chance de complicar. “A desidratação grave associada a um vírus (causador da diarreia) tende a favorecer uma segunda infecção, que pode ser bacteriana, por exemplo”, acrescenta a médica. Nos pacientes com diarreia, a infectologista orienta que é fundamental atenção a outros sinais. “Uma criança sonolenta com a doença e um idoso com o mesmo quadro e que apresenta desorientação exigem cuidados. Para todos os pacientes com diarreia, recomendamos a ingestão de muito líquido, como água e sucos (naturais), especialmente após cada episódio de evacuação. E em casos mais sérios, deve ser feita a hidratação venosa no hospital”, frisa Andrezza.
- A água armazenada é a principal ameaça?
Rosilene Hans destaca que, para evitar o adoecimento, a população deve reforçar os cuidados com a higiene, especialmente durante o período de armazenamento de água. Na maioria das vezes, a doença diarreica aguda atinge pessoas que bebem água não tratada e/ou que não seguem os padrões de higiene, como lavar as mãos frequentemente. "A secretaria vem monitorando a situação e fazendo acompanhamento dos casos junto aos municípios. Recomendamos também que eles façam vistorias nos carros-pipa. Além disso, o Estado entrega aos municípios solução de hipoclorito de sódio (para o tratamento da água utilizada para o consumo humano). São distribuídos cerca de 500 mil frascos a cada três meses”, diz Rosilene. Em todo o mundo, quase 90% das mortes por diarreia, segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) são atribuídas à má qualidade da água, saneamento inadequado e falta de higiene. Em Pernambuco, a falta de acesso a instalações sanitárias adequadas é um fator que não deixa de preocupar.