Pesquisa

Pele de tilápia pode se tornar antibiótico natural contra bactérias

Pesquisadores investigam a possibilidade de a pele da tilápia travar uma guerra contra micro-organismos que oferecem riscos à saúde

Cinthya Leite
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Cinthya Leite
Publicado em 16/01/2018 às 8:49
Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
Pesquisadores investigam a possibilidade de a pele da tilápia travar uma guerra contra micro-organismos que oferecem riscos à saúde - FOTO: Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Os primeiros passos para o desenvolvimento de um antibiótico natural, capaz de combater infecções em seres humanos causadas por bactérias potencialmente agressivas, já podem estar sendo conduzidos pelos testes realizados no Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ao lado do cirurgião plástico Marcelo Borges, idealizador da pesquisa conhecida mundialmente por examinar minuciosamente a pele da tilápia (principal espécie de peixes produzida no Brasil em 2016, com 239 mil toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um grupo de pesquisadores do Lika investiga a possibilidade de a pele da tilápia travar uma guerra contra micro-organismos que oferecem riscos à saúde.

A busca por essa resposta só está sendo possível porque, ao se mostrar eficaz no tratamento de queimaduras superficiais e profundas, o curativo feito com a pele de tilápia possibilitou o bloqueio do aparecimento de problemas infecciosos que poderiam ter sido causados pelas lesões. O acompanhamento dos pacientes foi feito por uma pesquisa que envolveu a participação de mais de 100 pacientes atendidos pelo Instituto Doutor José Frota, em Fortaleza. “Nenhum deles apresentou infecções como complicação das queimaduras. Além disso, houve encurtamento no tempo de tratamento (cicatrização das lesões), em até dois dias e meio, proporcionado pelo uso do curativo, em comparação com o grupo que fez o tratamento convencional, com o creme de sulfadiazina de prata 1%, oferecido pelo Sistema Único de Saúde”, destaca Marcelo Borges, que é professor da Faculdade de Medicina de Olinda.

O médico destaca que esses resultados apresentados pelos pacientes o levaram a deflagrar este segundo passo da pesquisa. “Ao revisar a literatura da piscicultura, percebi que a tilápia é um peixe extremamente resistente a contrair doenças, e esse detalhe despertou a minha atenção. Aprofundei os estudos e vi que vários peixes, incluindo a tilápia, têm sido estudado pelo fato de ter uma pele com peptídeos (uma espécie de proteína em miniatura), que são identificados como protetores dos peixes”, explica Marcelo. Ele sublinha que esse mecanismo torna os peptídeos como um elemento de parte do que se conhece como resposta imunológica inata – ou seja, da defesa imunológica própria dos peixes.

É esse exército de resistência contra doenças, encontrado na pele da tilápia, que leva pesquisadores do Lika a examinar hipóteses. “Será que essa proteção, dada pelos peptídeos aos peixes, poderia ser replicada para os humanos? Para responder esse questionamento, é preciso testar a possível eficácia desses peptídeos no combate à infecção por bactérias patogênicas (aquelas que causam doenças em humanos)”, destaca o cirurgião plástico.

Os dois primeiros estudos pilotos, realizados no Lika, trouxeram resultados animadores para os especialistas. Durante a análise, verificou-se que a pele da tilápia irradiada apresentou atividade antimicrobiana diante de 12 bactérias patogênicas humanas analisadas, com destaque para a Escherichia coli, a Staphylococcus aureus e a Acinetobacter baumannii – as duas últimas aparecem, na primeira lista de micróbios resistentes a antibióticos mais perigosos para a saúde humana, divulgada este ano pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

O cirurgião Marcelo Borges ressalta que outros estudos, já em andamento, são necessários para a confirmação dos achados observados nos estudos pilotos. Entre as próximas etapas, segundo Marcelo Borges, está a extração dos peptídeos presentes na pele desse peixe para uma avaliação quantitativa das suas possíveis atividades contra os micro-organismos. Ele acrescenta que o estudo também tem como objetivo comparar os peptídeos da pele da tilápia na forma in natura com a pele irradiada – aquela que passa por um processo capaz de exterminar organismos vivos, como vírus, para ser aplicada nos pacientes voluntários da pesquisa. “A intenção é analisar se os peptídeos permanecem preservados, na pele irradiada, com a potencial ação antimicrobiana.”

Avanços

O desdobramento da pesquisa da tilápia representa parte dos trabalhos desenvolvidos por Marcelo Borges durante o curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na prática, em Pernambuco, o estudo foi iniciado em humanos na segunda-feira (15), quando uma mulher de 39 anos recebeu a aplicação do curativo da pele de tilápia na Unidade de Queimaduras e Feridas do Hospital São Marcos, no bairro da Boa Vista, Centro do Recife.

Foi a primeira paciente, em Pernambuco, a colaborar com o estudo, logo após apresentar queimaduras de segundo grau, que formaram bolhas, na mão esquerda. O acidente aconteceu devido à exposição ao sol após manuseio do sumo de limão. Pela escala analógica da dor, que vai de zero a dez, ela mencionou um grau 4 de intensidade da dor antes de receber o curativo. Passados 30 segundos da aplicação da pele de tilápia, o grau de dor baixou para 2. “Foi uma redução de 50%, percentual semelhante ao que temos observado nos pacientes de Fortaleza. Essa paciente continuará o tratamento com a pele do peixe, que será trocada três vezes por semana”, informou Marcelo Borges.

Em Pernambuco, os demais voluntários também serão do Hospital São Marcos. Além de analisar a possível atividade antimicrobiana dos peptídeos, o cirurgião investigará se os pacientes tratados com o curativo da pele da tilápia têm a mesma resposta terapêutica do que aqueles que usam o curativo de hidrofibra com prata, que não é disponibilizado rotineiramente na rede pública, mas já é utilizado há mais de 12 anos nos pacientes com queimaduras.

A hidrofibra com prata é um recurso mais sofisticado do que a sulfadiazina de prata 1%, que se mostrou inferior ao curativo da pele de tilápia, capaz de proporcionar uma cicatrização das lesões de forma mais rápida. “Acredito que o diferencial é o fato de a pele desse peixe ter duas vezes mais colágeno do que a pele humana. E ele é a grande ponte pela qual passam os elementos que levam à cicatrização das feridas: nem a pomada à sulfadiazina de prata nem o curativo de hidrofibra com prata contêm colágeno na sua composição”, informa Marcelo, orientado pelo professor Carlos Brandt durante o mestrado. Já para a pesquisa no Lika, o cirurgião conta com o apoio do diretor do laboratório, José Luiz de Lima Filho, além da colaboração de Fabrício Souto, Isabella Macário e Iasmim Lopes.

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