SUBSTÂNCIA

Ômega-3 reduz morte de neurônios pelo vírus Zika, mostra pesquisa feita com paciente de Pernambuco

Os testes clínicos foram realizados no Laboratório de Imunologia e Inflamação (Limi) da Universidade de Brasília (UnB)

Marcelo Aprígio
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Marcelo Aprígio
Publicado em 06/02/2020 às 7:36
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Os testes clínicos foram realizados no Laboratório de Imunologia e Inflamação (Limi) da Universidade de Brasília (UnB) - FOTO: Foto: Robson Moura/TV Brasil
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Testes clínicos realizados no Laboratório de Imunologia e Inflamação (Limi) da Universidade de Brasília (UnB), a partir de amostra do vírus isolado de um paciente infectado em Pernambuco no ano de 2015, indicam que o ômega-3 - um ácido graxo normalmente encontrado em peixes que reduz o colesterol ruim no organismo - combate a inflamação dos neurônios causada pelo vírus Zika. A substância também auxilia na redução da carga viral nas células do sistema nervoso humano.  

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O vírus Zika acarreta em complicações neurológicas, como encefalites, Síndrome de Guillain Barré e microcefalia. Com a infecção do vírus Zika, as mitocôndrias das células nervosas, que capturam energia e funcionam como uma espécie de “pulmão celular”, são atacadas e sofrem estresse oxidante. O desfecho é a morte dos neurônios.

“Quando o Zika infecta um neurônio, ele faz com que esse neurônio produza série de moléculas inflamatórias, citotóxicas e radicais livres que vão causar dano ao DNA”, descreve a coordenadora do Limi/UnB e professora do Depastamento de Biologia Celular Kelly Magalhães.

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“O pré-tratamento do ômega-3 faz com que a célula produza outras moléculas que têm atividade antagônica ao que o Zika faz”, detalha professora que orientou a pesquisadora Heloísa Braz-de-Melo, estudante de mestrado, responsável pelo estudo recentemente publicado em revista científica internacional. Com o ômega 3, os neurônios produzem moléculas neuro protetoras e anti-inflamatórias.

A investigação sobre os efeitos do ômega-3 na prevenção e tratamento aos efeitos do vírus Zika foi feita a partir de amostra do vírus isolado de um paciente infectado em Pernambuco no ano de 2015, quando houve surto da doença em alguns estados brasileiros. Pesquisadores da Universidade de Brasília também realizaram testes com camundongos, os resultados deverão ser divulgados ainda neste semestre. O Limi/UnB participa de rede internacional com laboratórios do Canadá, Escócia e Estados Unidos para pesquisar o vírus Zika.

Infertilidade masculina

Além de identificar novos benefícios do ômega-3 contra o Zika, o laboratório também identificou que o vírus pode acarretar infertilidade masculina. “A gente está demonstrando que a infecção do zika vírus também causa a infertilidade masculina. Quando o camundongo é infectado, o vírus se aloja no testículo, causa morte de espermatozoides ou anormalidades morfológicas de movimento”, assinala Kelly Magalhães.

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O Zika Vírus é transmitido por picada do mosquito Aedes Aegypti, relação sexual, e da mãe para o feto durante a gravidez. Os sintomas mais comuns são vermelhidão no corpo e coceira depois de alguns dias. Pode ocorrer febre baixa, nem sempre percebida, conjuntivite sem secreção, dor de cabeça, dor muscular e até dor nas juntas.

As medidas de controle são semelhantes às da dengue e chikungunya. Conforme o Ministério da Saúde, “a melhor forma de prevenção, e a mais eficaz, é evitar a proliferação do mosquito Aedes Aegypti, eliminando água armazenada que pode se tornar um possível criadouro, como em vasos de plantas, lagões de água, pneus, garrafas plásticas, piscinas sem uso e manutenção, e até mesmo em recipientes pequenos, como tampas de garrafas e pratos de plantas”.

O ômega-3 é encontrado no óleo de peixes de águas frias e profundas (salmão, atum, bacalhau, cação) e óleos vegetais e linhaça. O nutriente é vendido em cápsulas por farmácias e lojas de suplementos alimentares. A compra não exige prescrição médica, a orientação especializada, no entanto, é recomendada pelos pesquisadores. O preço do produto varia conforme a concentração da substância.

Secretaria de Saúde valoriza estudo

Procurada pela reportagem do JC, a Secretaria de Saúde de Pernambuco disse valorizar o estudo científico e se colocou à disposição para colaborar. Leia a íntegra da nota:

A Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) valoriza os estudos científicos e informa que está à disposição das universidades e centros de pesquisa para auxiliar nesse trabalho. Pernambuco foi pioneiro na identificação da mudança do padrão da microcefalia, o primeiro Estado a notificar os casos e a organizar um protocolo de atendimento, referência para todo o mundo. O Governo de Pernambuco ainda investiu R$ 3 milhões para pesquisas na área, financiando, entre outros, o Grupo de Pesquisa da Epidemia da Microcefalia (MERG) da Fiocruz Pernambuco.

Mais agressiva, persistente e crônica

Não restam mais dúvidas de que a infecção pelo zika na gestação pode levar ao comprometimento do desenvolvimento do sistema nervoso central do bebê e, dessa maneira, causar complicações associadas à síndrome congênita do zika, cuja malformação mais conhecida é a microcefalia. Agora os pesquisadores já sabem também como essas alterações são processadas. Um estudo inédito desenvolvido na Fiocruz Pernambuco revela que não é apenas o vírus em si que leva a malformações. A resposta imunológica descontrolada, provocada pelo zika no organismo, é que pode causar danos ao sistema nervoso central.

Especificamente em relação aos casos de microcefalia, documentados primeiramente no Nordeste brasileiro, os pesquisadores perceberam que a cepa do vírus que infectou as gestantes em Pernambuco, na epidemia dos anos de 2015 e 2016, desencadeia um perfil inflamatório bastante específico, persistente e crônico. Para o estudo, duas cepas do zika foram utilizadas: uma originada no Camboja (país do sudeste asiático) em 2010; outra no Brasil, exatamente em Pernambuco e que foi isolada na unidade da Fiocruz no Estado.

A nossa cepa favorece a permanência aumentada do vírus no sistema nervoso central. Percebemos que ela leva a uma inflamação mais prolongada e crônica. E quanto mais tempo o vírus passa no organismo, mais a criança sofre (com as complicações). Mesmo passados meses do nascimento, observa-se o cérebro inflamado, com permanência de doenças neurológicas”, explica o coordenador do trabalho, o pesquisador da Fiocruz Pernambuco Rafael França.

“A comparação entre os processos inflamatórios causados pelas duas cepas permitiu observar que a intensidade da resposta à cepa ancestral (Camboja) é muito mais exacerbada e curta, em relação ao tempo. Provavelmente o sistema imune consegue eliminar o vírus de forma rápida, o que não causa o prolongamento no processo inflamatório, que possivelmente causa a microcefalia”, destaca o pesquisador Antonio Rezende, que também desenvolveu o estudo.

Os achados da pesquisa foram publicados, no último dia 16, na revista científica Frontiers in Immunology. O trabalho, coordenado pelo pesquisador da Fiocruz Pernambuco Rafael França, também foi desenvolvido pelo pesquisador Antonio Rezende e as doutorandas Morganna Lima e Leila Mendonça, todos da Fiocruz Pernambuco.

Primeiramente, o estudo foi realizado in vitro, com células tronco neuronais humanas (semelhantes a minicérebros em desenvolvimento), para verificar qual o perfil inflamatório induzido pela infecção nestas células. Posteriormente a pesquisa foi continuada com análises de amostras de líquor (líquido cefalorraquidiano – LRC) de crianças com microcefalia. “Com base na assinatura dos genes (ou seja, quais genes que estão desligados ou acionados, e em que intensidade) e moléculas inflamatórias, descobrimos uma assinatura específica característica da cepa viral que causa microcefalia”, diz Rafael França.

França esclarece que, a partir da identificação dessa assinatura, torna-se possível pensar em novas estratégias terapêuticas e medicamentos para combater esse processo inflamatório crônico e alcançar uma atenuação da condição de saúde das crianças. “À medida em que se detecta e faz um tratamento baseado nesse mecanismo inflamatório, abre-se a possibilidade de bloquear esse processo, proporcionando a uma criança infectada pelo zika um desenvolvimento do sistema nervoso central melhor.”

A equipe da pesquisa utilizou equipamentos da Fiocruz Pernambuco com tecnologia avançada em relação a sequenciamento de DNA e RNA. Foram realizadas também parcerias técnicas com as universidades de Pittsburgh (EUA) e Glasgow (Reino Unido).

Diagnóstico a R$ 1,00

Uma técnica para detecção do vírus zika, mais sensível e barata que a PCR em tempo real mostrou-se eficiente nos testes com amostras de mosquitos. O teste foi desenvolvido durante o curso de mestrado em Biociências e Biotecnologia em Saúde da Fiocruz Pernambuco, pelo aluno Severino Jefferson, com a orientação do pesquisador Lindomar Pena. A tecnologia, denominada amplificação isotérmica mediada por alça (RT- Lamp), também tem a vantagem de ser bem mais rápida do que a PCR, diminuindo de cinco horas para menos de uma hora o tempo necessário para obter o resultado. Trata-se de uma ferramenta que pode ser utilizada em qualquer lugar, na forma de kit rápido, pois não depende de equipamentos caros e sofisticados, restritos a laboratórios especializados, como é o caso da PCR. Outra vantagem é o custo para a realização de cada teste, de apenas R$ 1 (um real). É quarenta vezes mais barato que a PCR, que tem custo individual de R$ 40.

O estudo, intitulado Development and Validation of Reverse Transcription Loop-Mediated Isothermal Amplification (RT-LAMP) for Rapid Detection of ZIKV in Mosquito Samples from Brazil, foi publicado nesta quinta-feira (14) na revista Nature – Scientific Reports. O projeto conta ainda com a participação dos pesquisadores Constância Ayres e Fábio Melo (também da Fiocruz Pernambuco) e de outros profissionais dos departamentos de Virologia, Entomologia e Parasitologia da Fiocruz Pernambuco.

O pesquisador Lindomar Pena explica que a técnica se mostrou 10 mil vezes mais sensível que o PCR e, em alguns casos, foi capaz de detectar carga viral nos casos em que a PCR deu negativa. “Trata-se de um exame específico para zika, que não apresentou reação cruzada para outras arboviroses”, relata.

Foram utilizadas na pesquisa 60 amostras de mosquitos Aedes aegypti e Culex quinquefasciatus, infectados naturalmente ou em laboratório com os vírus zika, dengue, febre amarela e chicungunha. A próxima etapa será a conclusão dos testes com amostras humanas.

Na época em que o projeto foi lançado não havia nenhum trabalho semelhante. Porém, ao longo do seu desenvolvimento, surgiram em torno de 15 projetos nesse campo. O diferencial desse trabalho desenvolvido na Fiocruz Pernambuco é o pequeno número de etapas necessárias para a reação, o baixo custo e simplicidade do teste.

Na sua forma simplificada, o teste consiste em macerar a amostra de mosquito e colocar no tubo com o reagente. Após aguardar por cerca de 20 a 40 minutos, é só observar a cor da mistura. Se ficar laranja, é negativo; se o líquido se tornar amarelo, indica presença do vírus zika. “A ideia é que se possa coletar, macerar o mosquito em campo – em plena Amazônia, por exemplo – e obter o resultado lá mesmo”, declara o pesquisador. Com humanos, se poderá coletar saliva ou urina do paciente com suspeita de zika, realizar o teste e obter a resposta na mesma hora.

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