Humor

Graça sem limites na rede

Vídeos da internet revolucionam a comédia brasileira com a classe média como alvo. Confira vídeo da entrevista com Fábio Porchat

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 24/04/2013 às 12:02
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Vídeos da internet revolucionam a comédia brasileira com a classe média como alvo. Confira vídeo da entrevista com Fábio Porchat - FOTO: Reprodução
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Cabelos lisos e pele morena, seios que mal cabem no bojo do sutiã prateado, versão classe média turbinada da Iracema dos lábios de mel, a moça procura um exemplar do refrigerante mais consumido no mundo. “Oi, tudo bem, posso ajudar?”, indaga o funcionário diante das prateleiras. “Tô procurando meu nome na latinha”, diz ela, reproduzindo o gesto de milhões de consumidores. Ao tomar ciência do nome da garota, ele, no entanto, a desencoraja na busca: “Ah, Kellen?... Kellen é ruim, é um nome merda. Nome de p***, a Coca não faz!”, diz ele, sugerindo à garota que tente a seção das tubaínas: “Procura na prateleira da Dolly”.

Acessado por mais de sete milhões de espectadores, o vídeo Na lata é um dos maiores sucessos do coletivo carioca Porta dos Fundos. Mais do que isso: um exemplo icônico do novo humor ancorado pela internet que não apenas amplia e revoluciona a graça no País, mas deixa claro que a TV já perdeu a primazia quando o assunto é fazer o brasileiro rir. Recentíssimos, produzidos desde agosto do ano passado, os cerca de 70 vídeos do grupo somam, juntos, mais de 240 milhões de acessos. É como se mais do que toda a população nacional tivesse visto a produção dos cariocas.

"A tendência da TV é migrar para a internet”, diz o ator, roteirista e diretor fluminense Gregório Duvivier, 26 anos, sem dúvidas de que a audiência do humor na rede logo vai ultrapassar a da televisão – seja ela fechada ou aberta. “Mesmo o que passa na TV, seriados que eu gosto, como Loucos por ela ou SuburbiA, eu prefiro ver depois no YouTube. Na rede não temos concorrência, há espaço para todo mundo. Os vídeos podem ser acessados a qualquer hora, podemos ter centenas deles, que nenhum está concorrendo com o horário do outro”, diz ele, ao lado de Fábio Porchat, um dos frontmen do Porta dos Fundos. Em sua última performance digital, Duvivier interpreta um jovem executivo que não consegue pronunciar as palavras crédito ou débito na hora de escolher a forma de pagar o jantar. Lançado na segunda quinzena deste mês, já teve quase 1,5 milhão de acessos.

No novo humor digital brasileiro não há espaço para os clichês de sempre. Saem os caricatos televisivos como a mulher-dragão, a gostosona burra, a bichinha desavisada e o homem traído. Entra, como material de criação, a mesma matéria da qual se alimenta o humor de sitcoms dos canais pagos: o comportamento da classe média. Tratado, porém, com a delicadeza de quem joga ácido em vez de colírio nos olhos do míope.

Cada vez mais populares, esses novos nomes, quase todos jovens adultos da classe média das grandes cidades, não devem, contudo, ver seu tipo de humor mudar a linguagem tradicional da TV. “A TV aberta demora muito para absorver mudanças, nem sei se algum dia ela vai absorver. O que ela faz é um humor para toda família. A gente não funciona lá. Somos anárquicos”, diz Duvivier.

Baseado na inversão de expectativas, é um tipo de humor que não reforça os estereótipos. Ao contrário, os corroi. Como no vídeo em que um grupos de amigos destila o velho machismo brasileiro comentando com desprezo a suposta homossexualidade de um colega de escritório. Numa altura da conversa, um deles diz que ficou de plantão até mais tarde só para descobrir se o tal colega era ou não gay. E diz que descobriu: transou com o rapaz só para confirmar que ela era “a maior bichona”. Desconcertante, às vezes, a quantidade quilométrica de palavrões jamais seria admitida diante do sofá da família na sala de estar.

Hoje membro do elenco de A grande família, na Globo, e frontman dos sitcoms do Multishow, na TV paga, Fábio Porchat, 29, estourou na internet satirizando uma operadora de telefonia celular num vídeo em que, pintado de tinta azul na cara, tentava desabilitar uma linha com uma atendente chamada Judith. Lançado em julho de 2012, Estaremos fazendo o cancelamento teve mais de 5,7 milhões de visitas. “A internet é o espaço por excelência do humor”, gosta de dizer. Curiosamente, o Porta dos Fundos ganhou da Associação Paulista dos Críticos de Arte o prêmio de “melhor humor para TV”.

Outro coletivo que faz muito sucesso é o Parafernalha. Seu último grande hit é o vídeo em que o ator Gustavo Mendes interpreta Dilma Roussef, ao telefone, irritadíssima com os preconceitos do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano. “Feliciano, meu filho, em primeiro lugar quero dizer que essa sua chapinha é ridícula! Seu cabelo é crespo. Tire seu cabelo do armário. Deixe seu cabelo ser feliz como ele é!”.

Ator e empresário do grupo, Felipe Neto, 25 anos, mostra que a agressividade humorada pode viver em paz com o mercado. Ele já fez trabalhos para marcas fortes como Pepsi, Credicard, Neosaldina e Calvin Klein. Por conta de um outro site que criou, o Não faz sentido, em que tira onda da cara de celebridades, ele já foi convidado para atuar como comentarista no Globo Esporte.

Como o consumo, naturalmente, está na pauta do dia do brasileiro médio, várias empresas estão no alvo das piadas. Muitas, contudo, aprenderam a capitalizar a popularidade vinda com as sátiras. A rede de fast food de massas Spoleto, por exemplo, contratou Porchat depois que ele protagonizou um vendedor/cozinheiro tiranizando a cliente para que ela escolha com agilidade os acompanhamentos do macarrão.

Numa prova irrefutável de savoir-vivre, a gigante Coca-cola do Brasil mandou imprimir latinhas do refrigerante com os nomes do vendedor e da moça no vídeo. Sim, já existe a inscrição: “Quanto mais Kellen, melhor”; ou, “Quanto mais Uérlesson, melhor!”. “Se estivéssemos na TV aberta, já teríamos sido processados”, diz Duvivier. “A vantagem de estar na internet é termos, sim, mais liberdade”, diz ele. Uérlesson e Kellen, pois, podem tomar suas Cocas bem geladinhas.

Uma das garotas no elenco do Porta dos Fundos, a pernambucana Clarice Falcão é musa recente desse novo humor brasileiro. Estudante de cinema e atriz, milita também na TV. Atuou como roteirista no seriado Louco por elas, escrito e dirigido pelo pai, o também pernambucano João Falcão. No Multishow, representa a si própria em O fantástico mundo de Gregório, protagonizado pelo namorado Gregório Duvivier. Além de compositora “séria”, prestes a lançar seu primeiro álbum autoral, ela aparece na internet como uma espécie de Malu Magalhães sonsinha.

De voz “fofinha”, ela destila letrinhas cínicas. Coma Uma canção sobre o amor, em que ela fala dos planos de se jogar pela janela para atingir o namorado que lhe deu um fora. Quando atua, alfineta os clichês amorosos e emocionais da classe média. No vídeo Mulheres, Clarice está sempre acompanhada da melhor amiga para falar mal do marido como fazem 11 entre 10 mulheres.

Se ela é revelação na rede, há pernambucanos que estão desde os primórdios no YouTube pavimentando o novo humor brasileiro. O DJ pernambucano George Mendes, 42 anos, criou a cantora Dolores de Las dores como alter ego para suas performances. “Temos carreiras diferentes”, diz ele que, apesar do tremendo sucesso dos vídeos sob a grife Las Bybas from Vizcaya, não se considera roteirista ou diretor.

Roteirista, ele é. E dos bons. O YouTube só engatinhava quando ele lançou mão do vocabulário, da prosódia e do humor natural e indomável dos guetos gays do Recife para se celebrizar em São Paulo, fazendo paródias de novelas da Globo. Os vídeos da série Vale tudo, fia, em que Odete e Heleninha Roitman se digladiam, usando termos como “cafuçú” e “pitoco”, são impagáveis. Já foram acessados quase um milhão de vezes, mesmo ficando fora do ar por uns meses. “Hoje, eu subo os vídeos no Vimeo. Não boto no YouTube, porque eles proíbem”, diz.

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