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Luis Miranda: "Tem muita gente com preconceito por eu ser um ator multifacetado"

Em entrevista, o ator que está em cartaz com uma comédia na cidade, diz que gays e transexuais devem se normalizar na TV, mas os negros ainda estão destinados a subalternos

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 18/10/2014 às 6:30
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    O baiano Luis Miranda tem mais de 30 de seus 44 anos de idade dedicados ao teatro. Conhecido do grande público agora pela TV, ele protagoniza, hoje e amanhã, no Teatro RioMar, 7 conto. No solo, se reveza em vários personagens para tratar, com seu humor agudo, inteligente, de velhas mazelas brasileiras. Nessa entrevista, Miranda fala de arte, de vida e dos velhos preconceitos. Diz até que a TV ainda não aprendeu a parar de discriminar seus negros.

JORNAL DO COMMERCIO – No espetáculo, você usa seu humor versátil para tratar de questões públicas como exclusão, insensibilidade das elites, mensalão. Temas, cada vez menos frequentes no teatro mais comercial brasileiro. O humor e a arte brasileiros, no geral, se despolitizaram?
LUIS MIRANDA  - A gente tem tido uma burrice quase ancestral. Há períodos na humanidade em que ela esquece de questões como o respeito. O alto consumismo de hoje está também na arte, com a filosofia do fácil, do humor rápido, sem acabamento. A piada, no geral, tá muito pronta. O que o Pastor Felix falou, como candidato, é uma piada pronta. Difícil acreditar que, em pleno século 20, ouvimos aquilo. Mas ainda tem gente fazendo coisas incríveis. A Marieta (Severo) montou um espetáculo incrível, Incêndios. Gero Camilo tem feito espetáculos discutindo a poesia. Não é só falar de política, mas do ser humano brasileiro.


JC – Como um ator que escreve, quem te interessa na nossa dramaturgia contemporânea?
MIRANDA – Há muita gente escrevendo coisas específicas. O Newton Moreno, o João Falcão, a Adriana Falcão. A gente tem que ir peneirando. Gente que se interessa por um tema, que quer discutir de fato, acaba fazendo uma dramaturgia de qualidade. Gente do meio que quer mais do que a capa da revista ou o comercial na televisão, que tem um princípio filosófico sobre o que é feito na TV. Quando o teatro é bem feito, sempre leva gente para dramaturgias específicas.

JC – De que maneira o humor contemporâneo brasileiro é tributário ou influenciado pelo Terça Insana?
MIRANDA –  Acho que totalmente. Por mais que se queira negar. Tinha o formato de um microfone e um ator, que era referência no mundo todo. Houve um projeto que eu fiz para a internet que gerou muitas coisas, acabou dando muito certo. Ao levantar bandeiras, a gente influencia e se inspira. Não posso ter a cara de pau de dizer que eu, na minha época, nunca me inspirei no Chico Anysio, no Ed Murphy, no Jô Soares, Os três patetas. Tudo tá na minha estrutura, na minha base, na minha absorção do humor. O que é complicado é que as pessoas copiam descaradamente e dizem que criam.

JC – Sua personagem transexual na novela tem muito das características da perua bêbada que você fazia. Você acha que o longo tempo no Terça Insana vai acabar, sempre, por te influenciar na construção de uma personagem?
MIRANDA – O autor da novela escreveu o personagem para mim, inspirado na Sheila. Mas não é a personagem que você vê no Terça Insana. A novela é diferente, uma obra com trajetória de experimento. Você fica seis meses fazendo com que a personagem exista. Nós, atores, a cada dia temos uma dificuldade, um desafio novo. Procuro melhorar para não ser repetitivo. Não posso continuar me repetindo no que me copiam. Assim, estaria preso à mídia, nunca além dela.


JC – Você faz uma personagem transgênero numa novela de trama e horários absolutamente familiares. Acha que a presença de personagens de sexualidades não heteronormativas tendem a se normalizar e normatizar na TV? Ou ainda devem figurar como exceções ruidosas à regra?
MIRANDA – Isso tende sim a se normalizar. Nós estamos vivendo um momento político em que essas pessoas pautaram uma discussão eleitoral. A Marina, por exemplo, teve que se retratar diante de uma grande comunidade homossexual. Uma comunidade que cria, cresce e consome. Não é à toa a quantidade de gays que estão chegando ao poder. Isso ajuda a brecar também esse crescimento da homofobia, no sentido de que haja uma criminalização. E a televisão não pode ficar de fora de todas essas questões que tomam conta da sociedade.


JC – Você já disse que o guardador de carros bêbado da peça foi inspirado num personagem real das ruas de Salvador. Esse é um expediente comum? Ainda se aproxima de tipos populares com intenção de pesquisa para a captura e desenvolvimento de personagens?
MIRANDA – Sim, me aproprio inclusive de coisas de pessoas conhecidas. Ser famoso, não atrapalha. Chamo mais atenção, é claro. Mas isso não me limita. Eu não tenho uma postura que é para aparecer.


JC – Você traz a peça ao Recife no auge do segundo turno das eleições. O que acha da divisão acirrada de uma parcela expressiva do meio artístico brasileiro entre os que apóiam ou criticam os governos do PT? O que acha da artilharia verbal, por exemplo, do Lobão contra o Chico Buarque?
MIRANDA –  Acho o debate extremamente importante. Mas sobre o Chico e o Lobão, eles é que sabem. Eu não declaro meu voto. Estou, particularmente, muito decepcionado com a política. Torceria para outro candidato existir. É muito ruim ter que votar, agora, no menos ruim. De um lado, há uma proposta mais alinhada com prioridades populares. Do outro, outra mais ligada à burguesia. Não existe mais direita nem esquerda. A gente vive um momento apático. Paralelo a isso, a gente teve o crescimento da corrupção. A gente não pode negar que a sociedade está cansada de escândalos e falcatruas.


JC – Voltou a haver patrulhamento ideológico no meio artístico? Alguns atores de TV dizem estar vivendo como num estado stalinista de vigilância permanente.
MIRANDA –  Existe patrulhamento ideológico em todos os lugares. Às vezes, a intolerância tá tão absurda que a gente não pode discordar dos amigos nem em time de futebol. É possível, aliás, num país multirracial como o nosso a gente tá vivendo esse bullying com o negro? Eles estão se achando o que no Sul? A hipocrisia tá geral. O País tá desrespeitado geral. Não existem normas, ética, moral.

JC – Muito recentemente, Lázaro Ramos fez um protagonista, galã, numa trama das oito. O panorama mudou? O ator negro brasileiro ainda está destinado aos mesmos papeis subalternos na TV ou essa página começa a ser virada?
MIRANDA – Acho que (casos como o protagonista do Lázaro Ramos) são sempre pontuais. E isso nem é o pior. O pior é que ainda existe no País um disfarçado teste do sofá. Às vezes, pode ser sexual, amigável, etc. Você nunca é escalado se não participa. Eu sou um exemplo. Não sou amigo de puxar saco de ninguém, não vou às festas, fui escalado porque o cara me viu no teatro. Tem até muita gente que tem preconceito por eu ser um ator multifacetado, de fazer homem e mulher. Com o negro é pior. Pois se colocar um negro numa novela, tem que botar mais negros para justificar uma família negra ao redor. Aí, não se quer empregar mais negros, ou ter uma novela com muitos negros. Como se não houvesse um Joaquim Barbosa, como se não houvesse negócios comandados por negros. Como se os negros não estivessem em outro lugar além da velha faixa de serviçais.


7 conto, com Luís Miranda – hoje, 21h; amanhã, 19h. Teatro RioMar. Fone: 3207-1144. Ingressos: R$ 40 (balcão/meia) a R$ 90 (plateia/inteira).

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