Teatro de bonecos

Mamulengo é patrimônio Imaterial do Brasil

Reconhecimento do IPhan foi anunciado na última quinta feira

Adriana Victor e Mateus Araújo
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Adriana Victor e Mateus Araújo
Publicado em 07/03/2015 às 6:46
Guga Matos/JC Imagem
Reconhecimento do IPhan foi anunciado na última quinta feira - FOTO: Guga Matos/JC Imagem
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A vantagem de se ter um vigoroso patrimônio cultural é que, sim, o reconhecimento pode chegar. E chegar para valer: primeiro foram o frevo, o maracatu rural, o maracatu nação e o cavalo-marinho. Agora, Pernambuco – celeiro, terreiro e guia da cultura popular do Brasil – tem mais uma manifestação cultural na nobre lista dos Patrimônios Imateriais do País. Na última quinta-feira, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) fez o tombamento do Teatro de Bonecos Popular do Nordeste, com unanimidade dos votos. 

“Isso é um reconhecimento que veio pelo esforço da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, que encaminhou essa luta. Em Pernambuco, só contamos com o apoio do Iphan, porque nem o governo do Estado nem as prefeituras daqui ajudaram”, conta Jorge Costa, presidente da Associação Pernambucana de Teatro de Bonecos. “Agora, a gente espera que esse título venha com um desencadear de ações que visem preservar o brinquedo. A situação atualmente é muito precária”, denuncia. “Hoje, as prefeituras que deviam ter papel importante nessa preservação, se omitem, não contratam o mamulengueiro para as festas populares. É preciso ter mais apoio, principalmente das prefeitura do interior. O teatro popular não é só teatro, é também artesanato, e esse material precisa ser escoado.”

O processo para salvaguarda do Teatro de Bonecos começou há cinco anos, com a criação de um dossiê que reuniu entrevistas, depoimentos e biografias de mestres mamulengueiros de Nordeste. O material foi encaminhado ao Iphan. Em Pernambuco, o folguedo tem força, segundo Jorge Costa, em todo Estado, mas ganha destaque na Zona da Mata Norte, mais precisamente nas cidades Glória de Goitá e Carpina. 

Em Olinda, os bonecos têm um museu dedicado a eles, atualmente sob direção de Fernando Augusto Gonçalves, do grupo Mamulengo Só-Riso. Ele é também um dos principais brincantes e incentivadores do folguedo no Brasil. 

HISTÓRIA

Trazidos ao País nas caravanas europeias de colonização, os primeiros bonecos foram usados pelo padre José de Anchieta, na catequização dos índios. Dentro das igrejas, como saída para dinamizar a encenação do presépio natalino, as esculturas foram passando a ser manipuladas e, em seguida, a função pedagógica ganhou caráter profano, nas ruas e nas praças, até eles se transformarem em uma arte genuinamente do povo.

A prática da feitura dos mamulengos, como já escreveu o encenador Hermilo Borba Filho, remonta a diversas práticas na China e Índia, mas no Brasil ganhou seu estilo próprio. Com o tempo, virou ofício de muitas pessoas e espelho de um povo, graças à capacidade de fazer a plateia rir de si mesma e dar vazão à criatividade. Os bonecos também passaram a fazer críticas ao Governo e às desigualdades sociais, chegando, inclusive, a sofrer perseguições políticas.

Entre os célebres mamulengueiros que já se foram, brilha a estrela de José Severino os Santos, o Mestre Solon (1920-1987), criador do Mamulengo Invenção Brasileira, de Carpina. Nas lições que deixou, Solon ensinava: “o boneco é anterior ao homem”.

Mas muitos continuam em atividade, seja manipulando seus personagens pelas feiras e praças, seja esculpindo a madeira para dar vida às obras de arte popular. É o caso do Mestre Saúba (Antônio Elias da Silva), 62 anos, morador de Carpina. “Sempre tenho peças de Saúba para vender. Ontem mesmo, um argentino levou uma”, conta Carlos Moura, dono do Bar do Mamulengo, no Bairro do Recife. Há 10 anos, todos os domingos, às 17h30, Moura monta a empanada na rua, convida um mamulengueiro e ajuda a fazer o espetáculo. “Ao final, passo o chapéu para arrecadar dinheiro. Faço muito mais por amor”, revela. 

Ainda entre os grandes mamulengueiros em atividade estão o Mestre Zé de Vina, de Lagoa de Itaenga, e José Lopes da Silva Filho, o Mestre Zé Lopes, de Glória do Goitá. 

Vale o destaque também para Ermírio José da Silva, 50 anos, o Miro, de Carpina. Ao saber pela reportagem do reconhecimento recebido pelo Teatro de Bonecos – e, por consequência, dos seus mestres – através do título de Patrimônio Imaterial Brasileiro, ele celebrou: “Fiquei muito contente agora”. Miró já viajou pelo Brasil com os seus bonecos, levou-os até a França. “Vi o primeiro mamulengo quando tinha 7 anos, era uma apresentação do Mestre Solon. Sou apaixonado. Isso aqui é a minha vida.” 

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