A pergunta surge quase que automaticamente no Google: "Quantas vezes O Quebra-Nozes já foi apresentado?" Milhares, provavelmente. A resposta exata, porém, difícil saber, não aparece no site. Das maiores companhias de dança a escolas de bairro, todos os anos, sempre perto do Natal, o balé mais popular do mundo revive. E há 32 anos, São Paulo tem um Quebra-Nozes para chamar de seu. Entre esta sexta, 11, e o dia 20, o Teatro Alfa recebe a tradicional montagem da Cisne Negro Cia. de Dança.
O renascimento anual do balé parece estar envolto na mesma mágica que cerca a história que ele narra, inspirada no conto de E. T. Hoffmann. E esse encanto pode bem ser a resposta para por que a obra - que estreou pela primeira vez em 18 de dezembro de 1892 em São Petersburgo, na Rússia - não para de ser remontada. "É uma série de acertos. A música (de Tchaikovski) é um deles. A coreografia tem de tudo, desde o clássico puro até o folclore da dança russa, espanhola. O divertissement do segundo ato é uma diversão mesmo", diz Hulda Bittencourt, diretora artística e fundadora da companhia. "É época de Natal. As pessoas vão, se emocionam, choram, curtem."
O Quebra-Nozes da Cisne Negro nasceu como um espetáculo da escola, para os alunos. Mas ele acabou rendendo a Hulda o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de 1983. "Quando comecei, não fazia a menor ideia que iria dar continuidade por tantos anos nem que seria esse sucesso", afirma Filha de Hulda, Dany Bittencourt foi a primeira Clara da remontagem, a menina que ganha um boneco quebra-nozes no Natal e sonha com uma viagem pelo Reino dos Doces. Hoje, Dany é quem dirige os ensaios com cerca de 80 bailarinos. Doze deles integram a companhia durante todo o ano. O restante é contratado para a temporada, após passar por uma audição. "Tenho gente de Manaus ao Rio Grande do Sul. Tenho até um médico dançando no corpo de baile", conta Hulda.
ESTRELA
A cada ano, a Cisne Negro se preocupa em incorporar novos elementos à obra e trazer para os papéis de destaque grandes nomes da dança. Desta vez, Marcelo Gomes é o maior deles. O bailarino principal do American Ballet Theatre (ABT), que já havia dançado O Quebra-Nozes com a Cisne Negro em 2009, estará em três apresentações (dias 16, 18 e 19), acompanhado por Márcia Jaqueline, primeira-bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Karen Mesquita e Cícero Gomes, primeiros-solistas da companhia carioca, revezarão com o casal.
Além de Marcelo, Dany menciona outra novidade. Para ela, o momento mais emocionante dos espetáculos será a participação de 12 crianças do Projeto Cultural Revoada dos Cisnes, que atende aproximadamente 4 mil jovens do interior paulista. "Elas nunca entraram em uma lanchonete. Nunca vieram para a capital. São de três cidadezinhas, Orlândia, Miguelópolis e Ipuã. Imagina quando entrarem no teatro." As crianças serão os Anjos, que encerram o primeiro ato.
Marcelo Gomes conta ter uma relação especial com o balé. Com a variação masculina, o amazonense foi premiado no Prix de Lausanne (um dos concursos mais importantes do mundo), na Suíça, em 1996. No ano seguinte, entrou para o corpo de baile do ABT.
"Foi o primeiro balé que vi que o (Rudolf) Nureyev tinha coreografado. A versão dele, que não é tão tradicional, é mais dark, ficou muito na minha mente. Quando cresci mais um pouco, vi a versão da Dalal Achcar. Foi nela que fiz Fritz (irmão de Clara) pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio de Janeiro", diz. "Para mim, foi uma revelação estar no palco com os bailarinos profissionais naquela época. Eu deveria ter 9 ou 10 anos. Eu tinha de estar ali naquele momento, fazendo O Quebra-Nozes. Não tinha outro lugar para estar."
Para Gomes, a obra pode ser dançada ao longo de toda a carreira de um bailarino. Hoje, ele interpreta o Príncipe, que encena o ponto alto do balé - o pas-de-deux com a Fada Açucarada no segundo ato. Mas conta que já foi de tudo: rato, boneco, o Quebra-Nozes, russo, espanhol, árabe.
O Quebra-Nozes é uma das raras oportunidades de o público brasileiro conferir Gomes em cena. Ao ser questionado sobre como é dançar no Brasil, o bailarino olha para cima, sorri, respira fundo e responde como que aludindo àquela mágica que faz uma obra renascer a cada ano, a mágica que 12 crianças vão sentir quando pisarem pela primeira vez no palco de um grande teatro, a mesma que a plateia experimenta por algumas horas ao assistir a um conto de Natal. "É a melhor coisa que existe. Para mim, é como passar o ano-novo com a minha família. É tão emocionante. Começo a chorar e não sei por que estou chorando. Acho que o brasileiro se identifica muito com essa sensação de trabalhar o ano inteiro e saber que conseguiu viver mais um ano batalhando. Essa sensação é o que sinto no palco." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.