Mesmo antes de nascer, já estava marcado que o artista plástico Dantas Suassuna teria uma relação especial com uma das obras do seu pai, Auto da Compadecida. Foi o sucesso da peça, escrita em 1955, que fez Ariano Suassuna comprar a sua famosa casa na Rua do Chacon, onde Dantas nasceria e o autor moraria até seu encantamento, em 2014. A partir daí, em encenações, adaptações e leituras, o texto não deixaria de acompanhar o filho, hoje responsável por cuidar da obra do pai.
O texto mais famoso de Ariano, adaptado para TV e para o cinema, ganhou agora uma nova edição pela Nova Fronteira. Parte do processo de republicação das obras de Ariano após a sua morte, o título era um dos que tinha o texto bem definido por Ariano ainda em vida. Ainda assim, ganhou o cuidado gráfico do novo projeto editorial, feito por Ricardo Gouveia de Melo, e ilustrações inéditas de Dantas.
Para forjar a sua versão da famosa história de João Grilo e Chicó, Dantas mergulhou no que foi, no início de sua trajetória, a base do seu trabalho, como as xilogravuras do cordel e a arte rupestre. “Voltei a isso já como um artista amadurecido”, comenta.
Quando, em 2013, conversou com seu pai e com Carlos Newton sobre o projeto de Ariano para reunir em uma só editora a obra que produziu, ouviu do pai que deveria fazer ilustrações para a peça. Era uma aproximação do legado que, por muito tempo, manteve distante para desenvolver uma caminho artístico próprio.
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“Quando ele estava vivo, eu não chegava muito perto da obra do meu pai. Ele já estava ali para trabalhar com o seu universo. Com o encantamento dele, eu me senti no direito de continuar o que ele fez”, conta Dantas. Nesta sexta (6/7), ele inaugura a nova ala do Cais do Sertão com uma exposição intitulada Avoenga. O nome, que significa o “direito de herdar”, é preciso: o artista criou mais de 20 pinturas baseada nas imagens do livro Ferros do Cariri, de Ariano.
Carlos Newton Junior, crítico literário e responsável pela organização da obra de Ariano, conta que o autor fez algumas modificações em vida no texto do Auto da Compadecida. “Com o tempo, ele foi revisando a obra dele. Ariano escreveu o Auto quando tinha 28 anos, era o texto de um jovem. Já perto dos 80 anos, revisou o texto, enxugou trecho, tirou palavras”, conta o pesquisador.
Para o crítico, o Auto é a principal peça de Ariano, “ainda que ele considerasse a sua preferida A Farsa da Boa Preguiça”. “É o Auto que dá a Ariano uma dimensão nacional, que indica o caminho do teatro dele, baseado no cordel e no cancioneiro popular. Ele já havia feito isso antes, mas essa é a peça mais elaborada na carpintaria teatral, é o carro-chefe da obra dele”, explica Carlos.
CENSURA
Em tempos de cancelamento de uma peça teatral por pressões políticas e religiosas, como é o caso de O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, vale lembrar que, embora hoje seja vista como um clássico, a peça de Ariano já foi acusada de ser anticlerical e até teve uma adaptação cinematográfica censurada, A Compadecida, de 1959. Na época, Ariano expressou ao JC estranheza com a decisão: “padres, frades, bispos e outros religiosos se pronunciaram de modo favorável ao trabalho, desconhecendo assim os aspectos anticlericais apontados pelos censores”. “A perseguição se dava pela peça ter um Cristo negro e pelas críticas à Igreja. Ariano dizia que a Igreja não eram seus homens, e sim os seus santos”, comenta Carlos Newton.
O próximo projeto com a obra de Ariano é a publicação de uma caixa com quatro volumes com o teatro completo de Ariano, incluindo textos inéditos. Os livros vão se dividir entre comédias, tragédias, entremés (peças curtas, de um só ato) e traduções. São vinte peças e três traduções no total, com uma iconografia das montagens e uma cronologia do autor. Os dois planejam a obra ainda para este ano.