Crítica

Mais de 20 anos depois, Em nome do desejo está de novo em cartaz

Espetáculo estreia apesar da morte súbita do diretor Antônio Cadengue

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 25/08/2018 às 23:09
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Espetáculo estreia apesar da morte súbita do diretor Antônio Cadengue - FOTO: Divulgação
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Logo após a sessão, os atores Taveira Júnior e Miguel Taveira, pai e filho, nesta montagem em que vivem o mesmo personagem em tempos distintos, choravam abraçados diante do elenco ovacionado pelo público emocionado. “É com grande alegria que, a partir de hoje, dividimos este grande gesto de amor com vocês. Em nome do desejo é uma grande ode ao amor. Este espetáculo é dedicado a Antônio Cadengue”, dizia o pai, arrancando (mais) lágrimas e aplausos da plateia. Quase um mês após a morte súbita de Cadengue, vitimado por um infarto no dia primeiro de agosto, aos 64 anos e logo antes que pudesse realizar o sonho de ver uma de sua mais célebres montagens voltar ao palco vinte anos depois da estreia, Em nome do desejo está de novo em cartaz.

Com a morte do diretor às vésperas da estreia, coube ao assistente Igor de Almeida Silva assumir, com garra e competência, a condução do espetáculo. Mas a mão de Cadengue está visível em cada respiração e movimento de cenao. O espetáculo mantém não só a base da estrutura narrativa que o consagrou como um dos marcos do, então subversivo, teatro homoerótico brasileiro, mas as marcas impressas por Cadengue na sua Cia de Teatro de Seraphim que ajudariam também a maturar o teatro pernambucano contemporâneo.

A encenação é conduzida pelo protagonista em sua fase adulta (Taveira Júnior) que, por meio de flash-backs, numa estrutura mais comumente cinematográfica, revisita suas memórias de seminarista ao voltar ao antigo claustro onde, entre suores, culpa e orações, viveu seu amor de batismo com o colega Abel Rebebel (Vinícius Barros). A peça se baseia no romance homônimo de João Silvério Trevisan.

MUSCULATURA

Ao conduzir a paixão interditada diante do grande elenco de seminaristas que tudo comentam (como num coro grego), os atores dão forma ao texto com a elegância elizabetana pela qual Cadengue tanto prezava. A interpretação declamatória, exclamativa, se não permite maiores mergulhos internos, tem a grande vantagem de equilibrar o elenco jovem, quase estreante, e, portanto, sem a musculatura dramática de um Paulo de Pontes, ator que esteve na primeira montagem e agora defende, com grande autoridade, o papel do Padre Reitor do Seminário.

No palco nu, a luz de Augusto Tiburcius cumpre o objetivo de promover closes cinematográficos, levando a plateia para a intimidade das falas, ainda que outra das grandes marcas de Cadengue esteja integralmente preservada: a carpintaria capaz de dotar cenas de plasticidade com capacidade de gerar metáforas visuais para além do que é dito. Na forma, por exemplo, como a nudez do elenco é cuidadosamente coreografada,  referências a imagens renascentistas. De novo, esta montagem deve fazer história.

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