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Festival de Curitiba: 'Aquele Que Cai' e os corpos em modo de sobrevivência

Obra de Yoann Bourgeois desafia artistas e público

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 28/03/2019 às 9:00
Géraldine Aresteanu/Divulgação
Obra de Yoann Bourgeois desafia artistas e público - FOTO: Géraldine Aresteanu/Divulgação
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Aquele Que Cai (Celui Qui Tombe), concebido pelo coreógrafo, bailarino e acrobata francês Yoann Bourgeois, tem como princípios a resiliência e a resistência. Em cima de uma estrutura de seis metros por seis metros, suspensa em dois metros, que se movimenta em várias direções gira em torno do seu eixo principal, os bailarinos precisam encontrar formas de manterem-se firmes, de pé. O jogo é intrincado e os raros momentos de estabilidade são um prenúncio de um novo obstáculo.

O espetáculo, que abriu a programação do 28ª Festival de Curitiba, preza pela simplicidade cênica. No robusto palco do Guairão, onde foi apresentado, estão apenas a estrutura e cinco artistas (Julien Cramillet, Jean-Yves Phuong, Sarah Silverblatt-Buser, Marie Vaudin e Francesca Ziviani). Essa simplicidade lança ainda mais destaque para a engenhosidade da estrutura  criada pelo grupo, que apesar de rígida, parece se transmutar em várias formas, graças à manipulação que a suspense, faz girar e, às vezes, sugere até a sensação de que pode entortar.

CONTEMPORÂNEO

Com o avançar da encenação, o perigo ao qual os artistas estão expostos se intensificam. O circo contemporâneo, com sua mistura de diferentes linguagens artísticas, é marcado também por essa disposição do corpo ao perigo. Mais do que a execução perfeita de um movimento, parece-se buscar as possibilidades de enfrentamento da adversidade, um ponto que faz muito sentido no mundo de hoje.

Entre as várias interpretações que o espetáculo pode suscitar, a resiliência diante da adversidade é uma das mais emblemáticas. A estrutura, como a vida, se adapta toda vez em que os artistas parecem ter desvendado a forma de vencê-la. Então, um novo desafio é proposto, exigindo deles uma nova configuração. Nesse sentido, é interessante observar que a manipulação da base é o tempo todo exposta para o público, seja através de intervenções de profissionais ou por ação dos próprios intérpretes.

Os movimentos - além da destreza física, dança e canto também enriquecem a encenação - sugerem ainda noções de individualidade e coletividade, em um processo que chega ao enfrentamento, através do esforço em comum, contra a ameaça (a estrutura). São sempre ações de reação diante desses estímulos aos quais é impossível passar incólume, sob o risco da queda (ou de outros acidentes). 

O espetáculo instiga uma reflexão sobre nosso papel no mundo e as formas de sobrevivência e resistência diante das forças que regem nossa existência (políticas, sociais, espirituais). Em um momento em que não só o Brasil, como também o mundo vive instabilidades profundas, obras como Aquele Que Cai se mostram ainda mais necessárias.

* O jornalista viajou a convite do Festival de Curitiba

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