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Célula de Teatro encena 'As Bruxas de Salém' no Barreto Júnior

Peça adapta texto de Arthur Miller sobre intolerância religiosa

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 14/06/2019 às 13:31
Thiago Farias Neves/Divulgação
Peça adapta texto de Arthur Miller sobre intolerância religiosa - FOTO: Thiago Farias Neves/Divulgação
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Estados Unidos, século 17: o fanatismo religioso cria um cenário paranóico no qual aqueles que se desviavam dos dogmas da Igreja eram perseguidos e, em alguns casos, condenados à morte. Brasil, 2019: a intolerância religiosa volta a ganhar as manchetes, com casos de agressão aos espaços de prática e aos seguidores de religiões afrocentradas, além dos ataques às mulheres, LGBT e demais minorias. Ao traçar esses paralelos, a companhia Célula de Teatro decidiu montar As Bruxas de Salém a partir do texto de Arthur Miller. A peça estreia nesta sexta-feira (14), às 20h, e fica em cartaz até domingo (16), no Teatro Barreto Júnior.

Escrita em 1953 pelo dramaturgo estadunidense, As Bruxas de Salém é uma peça revestida de simbolismos. Além de resgatar o fato histórico que levou à morte vinte pessoas, em 1692, a obra traçava paralelos também com o clima de perseguição que voltava a imperar nos EUA durante a Guerra Fria. No período, o senador Joseph McCarthy acusou vários artistas e intelectuais de estarem alinhados com a esquerda, violando direitos individuais e políticos desses indivíduos. Miller foi um dos acusados.

“Passamos muito tempo buscando um texto que transmitisse o que queríamos falar. Lemos Nelson Rodrigues, Samuel Beckett, vários clássicos, mas quando chegamos a As Bruxas de Salém, tivemos certeza que era a dramaturgia exata. É uma peça que se assemelha muito ao clima de histeria que acontece hoje no Brasil, com a mistura de política e religião. Esses ciclos de caça às bruxas são intermitentes, seja de forma explícita ou velada. Da Santa Inquisição a Salém, à ditadura militar e, infelizmente, ao contexto atual do país”, explica o diretor Domingos Soares.

INTOLERÂNCIA

O texto narra situações reais ocorridas em 1692, na vila de Salém, uma colônia da baía de Massachusetts. Lá, um grupo de adolescentes foi visto dançando ao redor de uma fogueira enquanto entoava pedidos de amor. O que era uma brincadeira foi encarado como bruxaria e, a partir daí, uma série de acusações, mentiras e jogos de poder processou 150 pessoas, 20 delas condenadas à morte.

Para contar essa história, o grupo coloca em cena 21 atores. São eles: Ana Fragoso, André Barros, André Lombardi, Arthur da Matta, Domingos Soares, Flávio Moraes, José Miranda, Karol Spinelli, Letícia Lopes, Maria Eduarda Maia, Mariana Lins, Marília Linhares, Nemu Campos, Olga Valença, Paula Mendes, Paulo Sérgio, Raffa Rodrigues, Renata Mello, Roseane Tachlitsky, Selma Camêlo e Winy Mattos.

Considerada uma tragédia moderna, As Bruxas de Salém ganha, nas mãos da Célula de Teatro, também contornos clássicos. Isso porque o diretor decidiu incorporar alguns elementos do teatro grego, como o coro.

“Na tragédia moderna, o personagem é apresentado como alguém que cometeu erros, mas que está expiando sua culpa e, mais à frente, tem a possibilidade de se redimir. Já a tragédia grega tem um elemento de fatalidade. Quando inserimos o coro, inspirados nos Mistérios de Elêusis (espécie de ritual com conotações teatrais ocorridos na Grécia Antiga), quebramos também a ideia de representação realista que é muito característica da obra de Arthur Miller, inclusive por perfurar a quarta parede, que supostamente separaria o público da encenação”, explica Domingos.

O afastamento da encenação realista se manifesta também no cenário, que ganha tons mais abstratos, com assinatura de Flávio Moraes. Os figurinos são de Roseane Tachlitsky e Winy Mattos, que assinam a pesquisa e a concepção dos figurinos. O contraste aparece no coro grego, cujas máscaras foram confeccionadas em couro simulando metal por artesãos de Bezerros.

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