MARCO CAMAROTTI

Festival Internacional de Teatro de Pernambuco realiza segunda edição

'As Flores do Mal ou A Celebração da Violência', de Sergio Blanco, abre hoje a programação

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 08/09/2019 às 6:00
Foto: Elisa Mendes/Divulgação
'As Flores do Mal ou A Celebração da Violência', de Sergio Blanco, abre hoje a programação - FOTO: Foto: Elisa Mendes/Divulgação
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O Festival Internacional de Teatro de Pernambuco, que em sua primeira edição, ano passado, ganhou o nome de Cambio, chega este ano rebatizado como Reside.FIT/PE. Concebida por Paula de Renor, a iniciativa, cujas ações são gratuitas, tem início hoje com apresentação do espetáculo As Flores do Mal ou A Celebração da Violência, do franco-uruguaio Sergio Blanco, às 18h, no Teatro Marco Camarotti.

Um dos expoentes da dramaturgia contemporânea mundial, com textos adaptados em diferentes países, como Itália, Inglaterra, Turquia, Índia e Japão, Sergio Blanco tem sido presença cada vez mais constante nos palcos brasileiros. Recentemente, dois textos do dramaturgo foram montados no país: A Ira de Narciso, com Gilberto Gawronski, e Tebas Land, com o pernambucano Robson Torinni e Otto Jr. Ambos os espetáculos foram apresentados na última edição do Festival de Inverno de Garanhuns.

Em seus trabalhos, Blanco, que também é ligado ao mundo acadêmico, utiliza com maestria o recurso da autoficção – quando elementos biográficos reais são fundidos com outros inventados. Não é diferente com a obra que ele apresenta no Recife. Com texto escrito ano passado e tendo o dramaturgo em cena, o solo se estrutura como uma espécie de conferência na qual Sergio, tendo ao fundo a pintura Sansão Cego pelos Filisteus, de Rembrandt, discute a relação entre a violência e a literatura.

“Este texto une meus dois mundos que são o mundo da cena teatral e o mundo da academia. No mundo da academia, é preciso ter um discurso claro, nítido, ordenado, medido e equilibrado (...) A academia é um mundo onde dois e dois sempre têm que dar quatro. Por outro lado, o mundo do teatro é o oposto; no mundo do teatro, a fala pode ser confusa, sombria, desequilibrada. Não segue nenhuma clareza ou precisão máxima. É um mundo onde dois e dois podem ser seis. Essa auto-conferência reúne esses dois mundos em um lugar que é o meu corpo. É um texto que alterna entre esses dois tipos de discursos antagônicos. Eu acho que é aí que está o sucesso deste texto: o resultado é um híbrido que confunde muito as pessoas e ao mesmo tempo as atrai. Não é uma coisa nem outra, mas ambas ao mesmo tempo”, explicou em entrevista por e-mail.

O tema tratado por ele, a violência, permeia sua obra como um todo. Para o escritor, é um dos aspectos que nos constituem enquanto seres humanos e, portanto, é intrínseca a todas as sociedades. Seu interesse, portanto, é mais na essência do que, necessariamente, na busca por uma solução para a questão.

“Acho que a violência do nosso tempo é a que mais nos machuca, porque é a época em que vivemos, mas a violência sempre existiu ao longo da história da humanidade. Quanto ao papel que a arte tem a desempenhar em relação a essa violência, não acho que o teatro ou a literatura devam desempenhar um papel particular ou específico. Para mim, a arte, como Oscar Wilde disse, é uma paixão inútil. Penso que a arte é inútil e é aí que reside o seu poder: na sua inutilidade. Não acho que o teatro tenha que cumprir uma função pedagógica ou educacional, muito menos didática. O público não vem ao teatro para ser treinado ou educado. Isso é um insulto ao público. Isso significa que sei algo que eles não sabem e depois vou ensiná-lo. Eu acho que essa maneira de ver o teatro significa infantilizar o público. Não sei mais do que o público, nem pretendo ensinar nada a ele. Eu só quero que o público venha e que suas emoções, seus pensamentos, seus corpos sejam solicitados pela experiência teatral”, reflete.

AUTOFICÇÃO

Sobre o gênero no qual é uma das referências no teatro contemporâneo, Sergio Blanco refuta a ideia de que se trata de uma forma de expressão narcisista. Para ele, trata-se do contrário até porque, embora nesses textos estejam falando de si, os autores estão sempre a procura do outro.

“É algo que faz muito bem ao coletivo: que há alguém que entrega seu corpo para que nesse corpo possam contar as histórias de todos os outros, é algo muito libertador e curador (...) A autoficção parte do corpo de um, mas alcança o corpo de todos, uma vez que o discurso autoficcional considera que o que acontece com um pode acontecer com todos nós”, pontua.

Neste sentido, o franco-uruguaio reflete ainda sobre a forma como nos relacionamos com as imagens que nos cercam. Para ele, apesar da profusão de informações visuais, vivemos o século do olhar e não da imagem.

“É por isso que considero que este século é mais do que nunca o século do teatro, pois é o único espaço em que está em jogo o cruzamento de olhares vivos e diretos entre o mundo da realidade e o mundo da ficção. O teatro é o único lugar onde há um confronto de olhares entre dois mundos alienígenas que se encontram por um tempo preciso. O que está em jogo em nossa era pan-óptica em que todos olhamos e somos vistos não são mais as imagens cada vez menos interessantes, mas a aparência que se torna cada vez mais importante”, reforça.

Sobre seu processo de trabalho, Sergio afirma ser frenético. Assim que termina uma encenação, começa um novo texto. “Eu realmente gosto do que faço. Todas as manhãs acordo feliz por começar um novo dia e depois trabalhar. Com o Brasil, existem vários projetos a caminho, por um lado, as estreias de alguns dos meus textos que serão realizados em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Curitiba e, por outro lado, a presença do meu último trabalho está sendo programada. Quando Você Passar Por Cima do Meu Túmulo, estará em vários festivais por aqui. Agora estou feliz e aproveitando ao máximo essa turnê com a minha conferência de conversas pessoais, porque gosto disso de pegar aviões e ir de uma cidade para outra em todo o Brasil para conhecer diferentes públicos. Nesta semana, estarei em Recife, onde nunca estive e onde adoraria ver um tubarão. Ontem, um motorista de táxi me disse que certamente conseguiria ver um. Assim espero”, escreveu.

ATIVIDADES

A programação do Reside.FIT continua ao longo da semana. De amanhã até quinta, é realizada uma residência artística do dramaturgo francês Faquice Melquiot com o tradutor e diretor Alexandre Dal Farra (SP) e Coletivo Angu de Teatro (PE). Na sexta, eles apresentam leitura dramatizada do texto Eu Carreguei Meu Pai Sobre Meus Ombros, às 19h, no Teatro Santa Isabel.

Do dia 14 ao dia 18, no Armazém do Campo (Rua do Imperador Pedro II, 387, Santo Antônio), é realizado o laboratório Práticas Cânicas: A Violência, com o argentino Lisandro Rodriguez. As inscrições são gratuitas e limitadas a 15 vagas.

Também no dia 14, a produtora cultural Márcia Dias ministra a palestra Festivais e a Economia Criativa, às 15h, no Cineclube Coliseu (SESC Casa Amarela). De 4 a 8 de outubro, Damián Cervantes, do grupo Vaca 35 Teatro (México), oferecerá a oficina Grupo e Internacionalização do Teatro.

Todas as atividades do festival são gratuitas e a retirada dos ingressos para as sessões de Sergio Blanco e do Coletivo Angu acontece sempre 1h antes as apresentações.

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