Aclamado como gênio, Alfredo Volpi nunca desviou o olhar do cotidiano. Com seu colorido íntegro e particular, gritava em suas telas arredores afetivos e paisagens cativas de uma vida simples, que ele fez questão de levar bem longe dos holofotes. Sempre às voltas entre investigações e questionamentos geométricos do mundo, gostava de ser um operário da arte. Um caxias, entre pincéis, temas e formas. Pintava muito, todo santo dia, “por necessidade pessoal”, como costumava dizer. Trabalhava tanto que o Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna tem catalogadas nada menos que 2.239 obras suas.
Oitenta delas estão na exposição Volpi: a emoção da cor, em cartaz na galeria Almeida e Dale, em São Paulo, até o dia 29 de maio. “É apenas um recorte da obra de Volpi. Não estão representados, por exemplo, seus santos e madinas, a fase negra, os ladrilhos. Em contrapartida, a mostra propicia a compreensão do processo de trabalho do artista, ao fazer um mergulho em alguns temas que ele tratou obsessivamente: o percurso dos casarios às fachadas verticalizadas; a curta, mas marcante experiência concreta; a trajetória dos mastros à pintura cinética; e a das bandeirinhas às ogivas”, explica a curadora da mostra Denise Mattar.
Entre as obras cedidas por colecionadores e “viciados” em Volpi, os quadros mais antigos são provavelmente de 1920 a 1930. “O artista não gostava de datar, rotular, nem associar seus trabalhos a escolas ou movimentos”, diz Denise. Naquele começo, ele retratava mais cenas do que paisagens, num “impressionismo vago” que já se valia de uma paleta de cores peculiar. Volpi, conta ela, era muito novo ainda, mas já trabalhava havia um bom tempo como pintor e decorador de residências. “Ele tinha só 12 anos, dez dos quais já vividos no Brasil, quando trocou a escola pelo trabalho numa tipografia. Foi lá que descobriu as cores.” Segundo ela, foi Orlando Traquínio que o estimulou a migrar das paredes para as telas.
Daí em diante, tudo transcorreu rápido até a consagração do artista. Ele começa como integrante de um grupo de artistas iniciantes batizado de Santa Helena para, mais tarde, em Itanhaém (SP), encontrar a luz e os temas definitivos de sua obra. Essa fase de flerte com o casario e o sol é retratada em duas telas da mostra. Também em Itanhaém, numa noite de São João, Volpi esbarra numa de suas marcas registradas, senão a principal delas: as bandeirinhas juninas e sua colorida simetria, que estão por toda parte na Almeida e Dale.
Outra de suas idiossincrasias cativas tem início naquela produtiva década de 1940: o artista troca a tinta a óleo por têmpera, que ele mesmo manufaturava, usando ovo e pigmento. A diferença é enorme. Bastam poucos passos pela galeria para perceber como a obra ganha identidade no casamento feliz entre os novos materiais e os novos temas.
Das bandeiras, Volpi migra, algumas paredes depois, para uma rápida e bela fase modernista, que culmina numa premiação na Bienal de São Paulo, em 1953. Depois, ele resolve misturar paisagem com geometria, tudo a partir de sua perspectiva afetiva. A cada década visitada, os corredores vão ficando mais coloridos, vibrantes. E às bandeiras, somam-se mastros, cubos, triângulos e, mais tarde, as ogivas, o derradeiro formato que Volpi retratou e desconstruiu, na série em que ele, já com muita idade, encerrou seus trabalhos.
Além de dois andares de obras, a exposição traz um raro vídeo em que o artista se deixa revelar traçando, a mão livre, sua geometria meticulosa e afetiva, no ateliê de sua casa, onde só ele mexia. E é também visto, num flagrante inédito, entre as galinhas de seu quintal e tomando sopa na companhia da fiel Judite, esposa brasileira com quem compartilhou boa parte da vida. “Meu problema é de forma, linha e cor”, disse certa vez o homem simples, que não falava direito nem português nem italiano, mas sagrou-se célebre, despistando tudo que não fosse arte em seus produtivos 92 anos de vida.
*A repórter viajou a convite da galeria Almeida e Dale