Uma coleção formada por mais de 1,2 mil obras de arte pode ser mostrada de diversas maneiras e assim suscitar uma infinidade de reflexões, pois estas nascem a cada contato com o espectador, seu repertório e sua imaginação. Convidada a lançar um olhar sobre o acervo do Santander Brasil, a curadora Helena Severo começou a preparar uma exposição com a ideia de estabelecer um diálogo entre as artes visuais e a poesia. Como o público pernambucano pode conferir a partir desta terça-feira (26/8), quando Narrativas poéticas - Coleção Santander Brasil é inaugurada (para convidados) no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), a mostra faz essa ponte carregando consigo uma profusão de possíveis significados.
Pintura, desenho, gravura, fotografia e escultura estão presentes no conjunto. A equipe curatorial reuniu 59 criações, de pessoas como Cícero Dias, Di Cavalcanti, Gilvan Samico, José Cláudio, Portinari, Tomie Ohtake, Victor Brecheret e Volpi. São ao todo 36 artistas plásticos e 24 poetas (dos quais foram escolhidos 48 fragmentos de obras). No Recife, onde tem início a itinerância da exposição pelo Nordeste, são acrescentados versos de Joaquim Cardozo e Carlos Pena Filho.
É com muita alegria que temos obras de três artistas plásticos pernambucanos e incorporamos a obra desses outros artistas. Como exemplo cito Joaquim Cardozo, um poeta de relevância incrível, mas que tem uma obra pouquíssimo difundida, porque a ideia central da exposição é difundir, divulgar e ampliar o conhecimento sobre a arte brasileira", destaca Helena Severo.
A pintura Baile no campo (1937), de Cícero Dias (1907-2003), é uma das quatro obras reproduzidas em alto relevo para que pessoas com deficiência visual possam tocá-las. Também ganharam painéis táteis em resina as pinturas Figura (1948), de Milton da Costa (RJ); Paisagem (1978), de Francisco Rebolo (SP); e Série amazônica nº 12 (1968), de Ivan Serpa (RJ).
Todas as obras são exibidas no primeiro andar do Espaço Cícero Dias. Antes de chegar lá o visitante é recebido por uma nuvem de palavras pendurada no vão central desse anexo do Mepe. Ela é composta por palavras presentes nos textos que o público encontra mais adiante.
Entre as criações dos 36 artistas, a materialidade dos textos em geral é mais discreta (ainda que haja alguns painéis grandes no centro da sala). Há poemas colocados sobre a parede com letras brancas sendo projetados sobre o chão ou lidos por seus próprios autores em gravações transmitidas em pontos específicos da sala.
"Tom Jobim disse certa vez que a música é o silêncio que existe entre as notas. Com a poesia a gente precisava criar hiatos, silêncios que permitissem o diálogo com as outras obras", resume Marcello Dantas, autor do projeto expográfico junto com Suzane Queiroz.
A ideia da junção entre pinturas e poesias não é a de ilustrar o que é lido ou traduzir o que é visto. Os curadores demonstram a preocupação de não delimitar interpretações. Eles buscam instigar reflexões, convidar o público a olhar para as obras e textos com mais calma.
A questão do tempo de apreciação é ressaltada, por exemplo, pelo poeta, filósofo e ensaísta Antonio Cicero. "Ao ler o poema, ela pode ter uma porção de ideias e passar mais tempo refletindo sobre as telas do que inicialmente ela iria passar”, resume ele, que escolheu os fragmentos de poemas junto com o curador Eucanaã Ferraz. A equipe curatorial também conta com Franklin Martins.