Uma amizade que começou há 20 anos. Carlos José do Monte, 45 anos, chegou na casa de Abelardo da Hora ainda jovem, como ajudante do seu pai, o mestre de obra José do Monte. Em 1994, o artista plástico pernambucano chamou Carlos para trabalhar ao seu lado como seu assistente humilde e de riso fácil.
Foram anos de convivência, companheirismo, profissionalismo e amizade. “Ele me tratava muito bem. Quando eu chegava, ele estava lendo o jornal e todo dia falava a mesma coisa. “Chegou, Carlos?”. E eu respondia, cheguei seu Abelardo”, relembrou com um sorriso estampado no rosto e um olhar pensativo, de quem vai sentir falta daquelas palavras de rotina.
Os dois conviviam de segunda a sexta, das 9h às 18h, na casa-ateliê. Mas se engana quem acha que o trabalho era silencioso, apenas esculpindo o barro, moldando o cimento. A casa de Abelardo da Hora era muito mais do que uma fábrica de obras de artes, mas um lugar de encontros.
Grupos escolares enchiam os corredores e amigos sempre chegavam para conversar com Seu Bebé, como era carinhosamente apelidado. “Tina Cunha, Margozinha, Paulo Bruscky se sentavam e conversavam com ele. Eram histórias demais. Quem sentava nessa cadeiras não tinha hora para se levantar”, contou.
Que histórias eram essas? Carlos sorriu, olhou para o lado, balançou a cabeça, mas falou que não recordava. “Era muita coisa. As histórias da vida dele. De como chegou até aqui”, comentou com timidez.
Carlos comentou que admirava a alegria sempre estampada no rosto de Abelardo, mesmo com a idade avançada e a saúde debilitada, e relevou que nunca presenciou uma cena de tristeza no rosto do artista, que sempre estava brincando, dançando e assobiando sambas.
A morte de Dona Margarida, esposa de Abelardo, foi um impacto na vida o escultor e na rotina da casa. Mesmo quando ainda estava debilitada, ela sempre esteve ao lado do marido acompanhando de perto a construção das esculturas. E opinava.
A relação de Carlos e Abelardo também se estendia para fora do ateliê. Quando saíam para comprar barro, gesso ou charque - prato predileto de Abelardo - os dois viviam histórias hilárias, envolvendo mulheres. “Ele não podia ver uma mulher na rua. Chamava elas de lindas, mexia para eu elogiar. Eu ficava envergonhado, só rindo. Eram passeios divertidos", recordou Carlos.
“Meu companheiro deixou muitas mulheres bonitas”, disse Carlos José, logo que começou a falar da sua relação de trabalho com Abelardo. Como assistente, seu trabalho era preparar as estruturas onde as esculturas seriam montadas e colocar o barro. Depois era a vez de Abelardo colocar a mão na massa e dar forma as peças.
Antes de as peças serem montadas no molde definitivo, Abelardo sempre fazia uma maquete da escultura, para servir de modelo. Abelardo amava as mulheres e esta paixão foi transferida para o seu assistente.
“Minha única peça é uma mulher. Está na minha casa, em Olinda. Não é grande, é bem pequena. Não é como as que ele fazia com os peitos grandes e as pernas cheias”, contou Carlos enquanto alisava as pernas da última mulher feita por Abelardo.
O trabalho e todo o processo para construir as peças, Carlos conhece muito bem e contou que sabe fazer. “Tem muita gente querendo imitar as obras dele. Eu sei fazer, só que não é totalmente igual. As mulheres e as peças que ele fazia era diferente. Eram dele”
Confira no vídeo a relação de Carlos e Abelardo:
Carlos não sabe ainda o que será de sua vida após a mostre do mestre. Se for criar suas próprias peças, revelou que gostaria de seguir o mesmo caminho do seu professor. “Eu ia fazer mulheres. Só que as minhas teriam outros cabelos. Ainda não sei”, explicou confuso.
Carlos tem em casa apenas a própria peça que construiu, mas revelou que sempre quis ter uma peça de Abelardo da Hora. “Eu falei para ele que queria muito ter a mulher beijando o homem, pedi no meu aniversário. Ele disse para eu pegar uma do apresentador Chacrinha, mas eu falei que queria uma dele”, disse.
Quando soube que seu companheiro de trabalho partiu, estava trabalhando na reforma do quarto do artista. Mesmo com seu futuro indefinido agora, Carlos tem uma certeza: é agredecido por tudo que aprendeu com Abelardo, em duas décadas. “Ele era uma pessoa que ensinava, que não tinha má vontade. Ele me entregava a peça no barro e mandava eu colocar a cera e o concreto e eu fazia do jeito que ele me pedia”.