“Oi, eu sou Sophia, tenho 9 anos e irei ajudar os refugiados sírios”. A partir daí o repórter sabia que a entrevista com a pernambucana Sophia Maia seria mais que uma pauta factual. Simplicidade, maturidade, papel, tinta e dor. Esses elementos se juntam à esperança de leiloar uma série de desenhos assinados por ela, e ir entregar pessoalmente em São Paulo o valor arrecadado para os que fogem da guerra civil na Síria. A exposição Imaginário vai ser realizada na Galeria Suassuna, na Praça de Casa Forte, zona Norte do Recife, dias 12 e 13 de dezembro, a partir das 18h.
O drama que é retratado na maioria das obras não é novo, mais de 240 mil sírios foram mortos na guerra da Síria desde 2011, sendo 12 mil crianças da mesma idade ou menores que Sophia, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Além de uma crise imigratória que já é considerada a pior desde a Segunda Guerra Mundial (1939- 1945). Só este ano, são mais de 800 mil pessoas tentando chegar à Europa e até para países mais distantes como o Brasil. Tendo que enfrentar o desafio de deixar tudo para trás, muitas vezes até os filhos, em busca de um destino que se mostra, principalmente na Europa, hostil à presença deles. O que surpreende aqui é a sensibilidade de uma menina que decidiu agir sem se importar com os quase 9 mil km que separam o Recife de Damasco, capital da Síria.
“Ela tão pequena nos toca e nos faz refletir ainda mais sobre a falta de ação dos adultos nessa crise. Eles se reúnem em cúpulas sem uma ação concreta de ajuda ser definida”, pontua a assistente social voltada para refugiados que chegam a São Paulo Adelaide Guadalupe. A profissional explica que a maior dificuldade dos que chegam por aqui é a falta de conhecimento da língua e de emprego, quadro agravado com a instabilidade econômica. Por aqui são aproximadamente 2 mil que vieram por conta da guerra, número que deve crescer devido ao agravamento causado pelo Estado Islâmico (EI) e as forças opositoras.
Em uma sala colorida de criatividade que entrega de onde vem o talento de Sophia, a menina e a sua mãe, a designer gráfica Luciana Maia, receberam a reportagem, num ambiente que conta com inúmeros objetos adaptados, como uma banca escolar amarela, que lá ganha o papel de cadeira de estar, e outra de barbeiro antiga, disposta confortavelmente na sala de vídeo.
A menina, que quer abraçar o mundo quando grande – pretende se formar em “pelo menos” quatro profissões, sem falar em manter os hobbies de pintura e escrita –, começou a pensar em como arrumar parte da bagunça dos adultos há três meses, quando viu uma foto de uma criança que tentava cruzar o Mar Mediterrâneo para chegar ao Continente europeu. “Ela tinha mais ou menos a minha idade e usava uma boia de criança. Aquilo me chocou, poderia ser eu”, lamenta, com um olhar que encara o repórter sempre que fala, mas desvia quando se lembra das imagens que inspiram a produção. Mostra uma emoção pura de criança, logo sucedida pela mesma promessa com um sorriso: “Mas o que eu puder fazer será feito.”
De um desenho, hoje são 27. Eles se transformarão em 40 ou 45 até o dia da exposição, que conta com uma rede de apoios para acontecer. “As pessoas se sensibilizaram, empresas estão doando estrutura e tudo que será preciso para o leilão acontecer. É algo simples, mas que inspira”, relata a mãe de Sophia. Cursando o quarto ano do ensino fundamental em um colégio particular no Recife, Sophia se divide entre aula de inglês, dança e atividades da escola. “Eu faço tudo isso e outras crianças estão lutando para sobreviver”, diz, com uma maturidade que impressiona até a mãe.
“Ela está se cobrando muito, tem desenho que ela faz, fica bonito, mas manda jogar fora, pois acha que não ficou bom. Eu tento falar que ficou bom, mas não adianta”, comenta Luciana. Nesse processo e com essa responsabilidade que ela tomou como uma missão para si, Sophia já chegou a chorar várias vezes, achando que não dará conta de bater a meta que estabeleceu e entregar um número de desenhos suficientes. Ela sabe que a receita que as obras irão conseguir levantar é simbólica diante do drama dos refugiados, mas entende que pode ser um foco de luz e esperança a essas pessoas.
Após o leilão – o valor de cada obra ainda não foi fechado, mas deve partir de R$ 150 – ela quer viajar com recursos próprios até São Paulo e se encontrar com sírios atendidos pela ONG Instituto de Reintegração do Refugiado. A instituição, que receberá o dinheiro obtido no leilão, é uma das principais entidades que atendem aos sírios aqui no País.