Obras

Paisagem de crise no mercado de arte

Artistas e galeristas buscam formas mais flexíveis de vendas

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 20/12/2015 às 16:48
Ricardo Labastier/JC IMAGEM
Artistas e galeristas buscam formas mais flexíveis de vendas - FOTO: Ricardo Labastier/JC IMAGEM
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    Com a retração do Produto Interno Bruto, a crise econômica atinge também, como era de se esperar, o mercado de arte. “Esse ano, eu praticamente não vendi. Na hora das prioridades, o sujeito, claro, deixa para comprar arte depois de resolver outras questões”, diz o artista Félix Farfan, que tem colecionadores famosos como o músico Herbert Vianna. A despeito do sumiço de compradores, Farfan não pretende mexer em sua política de vendas. “Tenho um tipo de comprador muito específico, e minha arte realmente não tem um apelo comercial tão grande. Baixar preço não é o que vai fazer vender mais”, diz. Ao contrário de Farfan, outros artistas de Pernambuco estão se organizando para deixar suas obras mais acessíveis ao público consumidor.
    Apesar de vender com boa regularidade em galerias como a Arte Plural, no Recife Antigo, e a Amparo 60, no Pina, o figurativista Roberto Ploeg está também preocupado com a diminuição dos compradores. “Precisamos tornar as obras um pouco mais acessíveis, porque nós que trabalhamos com arte vemos nosso produtos serem tratados cada vez mais como artigos de luxo”, diz Ploeg, que acaba de se juntar a um grupo de quatro outros artistas para vender obras em consórcio. “Em algum tempo, alguns artistas estarão vendendo apenas para pagar as contas elementares. Já não há mais essa de vender para ficar com dinheiro sobrando para fazer viagens”, ele diz.
    Com Ploeg, participam da iniciativa de pagamento prévio e parcelado artistas como Nino Ferreira, Sandro Maciel, Antônio Mendes e Edson Menezes, conhecido como Popó. “Há muito tempo, não era preciso vender em consórcio”, comenta a restauratrice Lou Melo e marchand que costuma expor e vender obras de arte no restaurante Maison do Bonfim, em Olinda, de sua propriedade. “Tive a ideia porque o mercado de arte anda muito parado, as vendas caíram muitos, e vejo amigos artistas praticamente sem vender. Eles, afinal, vivem do que criam”, ela diz.
    A marchand explica que, para entrar no consórcio, é preciso formar um grupo. “Juntam-se cinco pessoas interessadas em comprar obras e, dependo do valor dos quadros, pagam dez parcelas mensais. Um é sorteado por vez até que o último receba seu quadro”, ela diz. No grupo de artistas envolvido, os preços de cada obra custam a partir de R$ 2,5 mil. Figurativista de tons etnográficos como um Eckhout dos anos 2000, Ploeg tem quadros de tamanhos médios com preços em torno de R$ 6 mil no mercado. Embora não saiba exatamente o quadro que levará para casa, o consorciado pode até sugerir temas. “É, podemos acatar sugestões de alguma forma”, diz Ploeg.
    Em Boa Viagem, a galeria Sete possui relíquias dos grandes mestres da arte pernambucana, como Cícero Dias, João Câmara, José Rufino, Lula Cardoso Ayres e também contemporâneos como Marcelo Silveira. Com gravuras a partir de R$ 1 mil, as obras podem ter preços equivalentes a de um apartamento. “Tanto as mais baratas como as mais caras podem ser parceladas, normalmente em dez vezes, diz o galerista Thomaz Lobo. Ele não gosta da fórmula do consórcio. “A pessoa vai ter o quadro dentro de casa, então, ela deve escolher a obra. Uma obra é um convívio diário. Se for uma obra de grande valor, dividimos”, ele diz.
    Antiguíssima na cidade e conhecida pelas obras de grandes nomes no acervo, a galeria de Carlos Ranulpho, no Recife Antigo, está com uma exposição chamada Renovação de Acervo. São 100 quadros de autores como Vicente do Rego Monteiro, Lula Cardoso Ayres, Reynaldo Fonseca, Alcides Santos, Isolda e Wellington Virgolino, além de móveis, cristais, pratarias, porcelanas, mármores, cerâmicas e esculturas – tudo pode ser parcelado em três vezes, com o primeiro pagamento apenas apara o dia 30 de janeiro de 2016. E há peças, diz ele, com preços a partir de R$ 100.
    Dona da Amparo 60, localizada no Pina, uma das principais galerias de arte contemporânea do País, Lúcia Santos confirma que o mercado está desaquecido e que estuda alternativas para facilitar a compra de obras. “Até porque a situação não é para o momento, mas deve durar por um bom tempo”. Em alguns casos, ela pode aumentar o número de parcelas. “Trabalhamos com cerca de 30 artistas, alguns muito conhecidos, outros mais jovens, é amplo o leque. Tem alguns que aceitam outros e outros não aceitam”, diz ela, com aposta mais segura noutra estratégia.
    Além de aumentar o leque de atuação da galeria com cursos de história da arte, a galerista deve investir bastante na comercialização de múltiplos, ano que vem. “Se a obra, única, exclusiva, de um artista pode custar até R$ 20 mil ou R$ 30 mil, uma obra feita em tiragem limitada pode chegar a R$ 600”, diz Lúcia Santos que descarta a ideia de consórcios. “Temos coisas muito exclusivas, não caberiam neste formato”, diz ela que tem, no casting da galeria, nomes como Lourival Cuquinha, José Patrício, Paulo Brusky, José Paulo e Alex Flemming.
    Como única representante de Pernambuco, Lucia pretende continuar participando das grandes feiras de arte do País. “São investimentos altos, mas importantes para a construção de um olhar sobre Pernambuco. Temos a responsabilidade de participar”, afirma. Segundo Lucia Santos, o número de exposições, contudo, deve diminuir. “Não dá para fazer mal feito. É melhor fazer três exposições muito bem feitas que seis mal feitas”, avalia Lúcia Santos. “Os custos são altos. Mas este ano quero muito fazer uma individual de Cuquinha”, explica.
    “Como lugar de arte contemporânea, a galeria sempre teve de certa forma em crise, é sempre uma luta construir um olhar. Então, a crise no mercado de arte, propriamente, me assusta menos do que o está acontecendo com a política e a economia”, argumenta Lúcia Santos.

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