HISTÓRIA

Projeto mostra vida artística do Recife dos anos 1940 através do acervo do Dops-PE

Com edital aberto para artista, projeto Obscuro Fichário mostra, através do departamento, a vida cultural da cidade

Diogo Guedes
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Publicado em 16/01/2016 às 5:01
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Com edital aberto para artista, projeto Obscuro Fichário mostra, através do departamento, a vida cultural da cidade - FOTO: Reprodução
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Os passos de Geraldine Vírgina Pike pelo Recife, desde que chegou em 1942, eram vigiados atentamente. O Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (Dops-SE) tinha certeza que ela participava de alguma atividade suspeita – além de ser artista e mulher, o que já a faria um alvo de fichamento, ela tinha amizades com homens estrangeiros. Contorcionista conhecida como “a mulher sem ossos”, ela chegou a ter sua correspondência íntima violada e foi seguida, apesar de nunca terem visto nada muito estranho.

Desde que começou a se interessar pelo acervo do Dops-PE, a pesquisadora e produtora Clarice Hoffman passou a achar histórias e relatos impressionantes sobre um Recife pouco lembrado, situado entre os anos entre 1930 e 1950. Neste sábado (16), a partir das 16h, no Museu da Cidade do Recife, ela explica um pouco a origem e o objetivo do site-acervo do projeto Obscuro Fichário dos Artistas Mundanos (obscurofichario.com.br), que revive esses documentos gerados pela paranoia política e burocrática do período do Estado Novo e além. No encontro, Clarice vai falar um pouco da convocatória para artistas que queiram criar novas obras através desse acervo do Dops-PE. Serão entre três e cinco trabalhos escolhidos, que podem ser agraciados com valores entre R$ 5 mil e R$ 10 mil.

O acervo é um velho conhecido dela. Há mais de dez anos, precisou ir atrás de documentos que estariam no Dops-PE e soube desses fichamentos, que focavam suas suspeitas especialmente em mulheres, artistas e estrangeiros. As 403 fichas encontradas, então, eram secretas por lei, mas Clarice já achava que elas eram valiosas: imaginava até encontrar algum registro da sua avó, que teria sido fichada pela polícia do varguismo. Só a partir de 2012, quando entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação, ela pôde pensar em criar um projeto a partir desses documentos valiosos.

“Ao sistematizar as fichas, notei que elas formavam um acervo das artes e da diversão no Recife entre 1934 e 1958, uma parte muito pouco conhecida – ou, melhor, muito pouco lembrada. Eu imaginava, por exemplo, que o centro do Recife tinha sido sempre meio decadente, mas ele era um espaço de muito luxo”, explica Clarice. “No relatórios de campana, quando alguém era seguido e vigiado, você termina tendo uma descrição da cidade que é incrível.”

O mais interessante é que, ao mirar os artistas (acrobatas, músicos, dançarinos), os estrangeiros e as mulheres (60% das fichas são sobre elas), o Dops-PE mostra o que o poder estranhava. “É um fichário feito de uma forma obscura, daí vem nome. Você nota o clima de controle da polícia. Hoje a gente vê que aquele registro mostra quem se confrontava com o poder, quem questionava os padrões de comportamento”, analisa Clarice.

Como alerta o professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior, um acervo como esse “nos permite visualizar que corpos e que espaços, que nomes e que práticas, que discursos e que ideias metiam medo, causavam suspeitas entre aqueles que compunham as elites econômica, política e intelectual de cada período”. Além disso, o Obscuro Fichário permite criar cartografias do Recife distinguem das visões hegemônicas, como o Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife, de Gilberto Freyre – é por isso que existem vários mapas, que mostram o roteiro das delícias, da paranoia, das artes e do nomadismo. Em alguns casos, a história oficial e os documentos obscuros se entrecruzam, como no caso da bailarina Mamah Felicie Abou, que também participou do 1º Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Freyre.

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