Com a morte de um mestre artesão, como fica o valor das obras deixadas por ele? Manuel Eudócio (1931-2016), o último dos artistas da geração do mestre Vitalino, morreu no último dia 13 deixando não só um legado importante para a história da cultura pernambucana como também a valorização de peças raras feitas por ele em mais de 40 anos de trabalho.
Cronista do barro, Eudócio imprimiu em sua arte traços singulares das expressões populares e das figuras do cotidiano do povo nordestino. Criação que o colocou entre os três maiores artistas do Alto do Moura, em Caruaru, junto a Vitalino (1909-1963) e Zé Caboclo (1921-1973).
Um dos artistas mais vendidos e conhecidos pelos admiradores da arte brasileira, após sua morte, a procura por peças do artista, agora raridades, aumentou. Ademilson Rodrigues, um dos nove filhos de Eudócio e seu discípulo de ofício, conta que a procura de colecionadores pelo acervo do pai já é grande. “Mas nada será vendido”, garante. “A família não botou nada à venda. Já teve gente nos procurando, sim, mas não queremos vender nada. Esse acervo deixado por papai vai fazer parte do memorial que ele tanto sonhou e que começou a fazer”, diz Ademilson.
Manuel Eudócio deixou um acervo com 200 peças para fazerem parte do seu memorial, criado na garagem da casa dele. A mais recente delas é a última feita por ele e terminada no dia em que foi internado, em 5 de fevereiro: o enterro. A construção do memorial depende agora da família dele, que já tem apoio garantido da Prefeitura de Caruaru e do Governo do Estado, de acordo com Ademilson.
A procura por obras assinadas por Manuel Eudócio também aumentou no Centro do Artesanato de Pernambuco, no Marco Zero, Porto do Recife. Segundo os funcionários do espaço, onde são comercializados trabalhos de mais de 500 artesãos, um dia depois do falecimento do mestre caruaruense foram vendidas suas duas últimas peças do estoque.
Uma das consultoras de vendas do Centro do Artesanato, Ana Vanessa, foi quem comprou a derradeira obra do mestre vendida no estabelecimento. Ela e outros dois colegas de trabalho se juntaram e pagaram R$ 500 por uma reprodução de Padre Cícero feita por Eudócio. “Eu encontrei a peça perdida entre outras, e vi que era dele. Era a última que a gente tinha. E aí compramos”, lembra Ana Vanessa. “Ainda não sabemos o que vamos fazer com ela. Mas eu queria ter uma obra de Eudócio em minha casa.”
Na Casa da Cultura, no Centro do Recife, já não há mais peças de Manuel Eudócio sendo vendidas. Na loja Caboclo de Lança, onde são comercializados os famosos bonecos de barro, o dono recolheu todas as criações de Eudócio, após a morte do artista. Os funcionários explicam que é hábito do proprietário, também colecionador.
VALORIZAÇÃO
Se nas lojas já não existem mais obras de Eudócio, oferta inversa tem ocorrido aos colecionadores. O arquiteto Carlos Augusto Lira, por exemplo, tem sido procurado por várias pessoas que o oferecem criações do mestre, a preços mais caros. “No dia em que ele morreu, recebi muitas mensagens de gente me oferecendo peças”, diz Carlos Augusto, que em sua coleção tem 50 obras de Eudócio, incluindo criações de 40 anos atrás. “São raras. Quanto mais antigas, claro, mais caras.”
Habilidoso conhecedor da arte nordestina, o arquiteto e colecionador explica que obras pertencentes a períodos com mais produção costumam ser mais baratas. “O valor dessas não podem duplicar, por exemplo”. As mais inusitadas e mais antigas devem ter seus preços mais elevados, assim como as obras mais coloridas. “Um Eudócio de 20 anos atrás tem mais valor do que uma realizada no ano passado”, afirma.
>> Leia reportagem especial com Manuel Eudócio no caderno Pernambuco Vivo
No Museu do Homem do Nordeste (MHN), em Casa Forte, seis criações de Manuel Eudócio são guardadas como tesouro junto a obras de Vitalino e Zé Caboclo. “É uma coleção qualitativa”, explica a antropóloga Ciema Mello, da Fundação Joaquim Nabuco. “No Nordeste há polos que são alicerces da arte popular brasileira, como em Caruaru, com o trio Vitalino, Zé Caboclo e Manuel Eudócio”, explica Ciema.
Admiradora da obra dos três artistas caruaruenses, a antropóloga afirma que em breve o MHN deve inaugurar uma exposição em homenagem aos três, unido as criações deles. “Vamos juntá-los, como amigos”, afirma.