Lançamento

O fichário de artistas investigados na Era Vargas no Recife

Hoje, às 19h, no Arquivo Público, Clarice Hoffmann lança Obscuro Fichário de Artistas Mundanos

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 28/06/2016 às 6:24
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Hoje, às 19h, no Arquivo Público, Clarice Hoffmann lança Obscuro Fichário de Artistas Mundanos - FOTO: Divulgação
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Jornalista e pesquisadora carioca radicada em Pernambuco, em 2004 Clarice Hoffmann investigava representatividade de mulheres negras no Arquivo Público de Pernambuco. Ao comentar, por acaso, com uma historiadora que sua própria avó, Gusta Gamer, havia sido fichada pela polícia, acabou encontrando uma série de arquivos secretos sobre artistas de passagem pelo Recife da era Vargas. “Me chamou muito a atenção haver um arquivo específico sobre artistas como o fato de que ele se detinha especialmente sobre artistas de passagem por Pernambuco, pessoas que precisavam ser observadas pela possibilidade de trazerem novas ideias e comportamentos”, diz a autora que, confirmando que acaso não existe, transformou a descoberta em projeto artístico e documental: acontece, hoje, às 19h, o lançamento do Obscuro Fichário de Artistas Mundanos.


O lançamento, não por acaso, acontece no próprio arquivo da Rua do Imperador. Com patrocínio do programa Rumos do Itaú Cultural e do Fundo de Apoio à Cultura do Governo de Pernambuco, a pesquisa que já estava disponível em plataforma digital ganha versão impressa - distribuída gratuitamente durante o lançamento. Obscuro Fichário de Artistas Mundanos compila registros originais do Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco sobre mais de 400 pessoas de passagem pelo Estado. Suspeitas apenas pelo traço em comum: a ligação com alguma atividade artística.


Ali constam, por exemplo, um fichário aberto para a cantora Dalva de Oliveira, matriz de um dos veios mais tradicionais do canto brasileiro. Nunca teve o protuário preenchecido, criado apenas para marcá-la como suspeita em potencial. Como também consta um breve relatório sobre a atriz e cantora, espanhola naturalizada argentina, Anita Palmeiro. Em sua passagem pelo Recife de 1944, foi levada para averiguações numa delegacia pelo secretário de segurança pública Etelvino Lins. O motivo: jantando numa mesa próxima a autoridades no Grande Hotel, centro da cidade, foi considerada “escandalosa”, e portanto suspeita, pelos risos fartamente escandalosos.


“Havia uma certa perseguição de ordem moral, numa época em que a ideologia do masculino e do trabalho eram ainda mais excessivas”, comenta Clarice. Autor de "Invenção do Nordeste", um ensaio sobre a construção de hegemonias ideológicas e de representação da região, o historiador Durval Muniz de Albuquerque faz, hoje, uma palestra antes do lançamento da publicação. “Para além da narrativa oficial, que tentava dar conta e dizer o que era o Recife, para além do Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife, em que o grande intelectual da cidade, Gilberto Freyre, constrói uma cartografia hegemônica, escolhendo espaços e corpos que mereciam ser vistos e ditos (...), esses corpos e nomes, esses breves relatos sobre o que chamamos de artistas ‘mundanos’, mantidos na obscuridade de um fichário, e os espaços da cidade que neles são descritos, constituem a possibilidade de se desenhar outras geografias, outros mapas, outras cartografias possíveis para essa cidade”, diz ele, em ensaio de apresentação no site do projeto.


Esse tempo, agora recuperado pelo trabalho de Clarice, permite ver como artistas ameaçam não apenas por pontuações explicitamente políticas. Bailarinos, circenses, atores e cantores ameaçavam também a moral patriarcal heteronormativa. “Esses corpos femininos e de artistas, no entanto, não participam apenas dessa geografia paranoide da vigilância e da suspeita; eles são parte constitutiva de uma outra geografia da cidade, de uma cartografia das delícias ou dos prazeres. O Recife da vigilância e da suspeita construída pelas ações e relatos dos agentes da DOPS, dá lugar a um Recife da vida noturna, da boemia, das diversões, das festas, das atividades lúdicas, dos encontros e desencontros sexuais e amorosos”, continua Durval.

 Clarice fez também convocatória para artistas discorrerem sobre os resultados do projeto. Com Vaga de Irma Brown, Francisco Baccaro e Moacyr Campelo (PE) mapeiam, com vídeo e fotos, lugares do Recife citados nos fichários. Em Folhetim dos Encontros, Juliana Borzino (RJ) cria novas edições de um folhetim que chegou a ser distribuído no período. O terceiro, Teta Lírica, de Marie Carangi (PE), faz uma performance-vídeo em torno de práticas e modos de vida de alguns artistas do fichário.

 


Obscuro Fichário dos Artistas Mundanos - Lançamento hoje, às 19h, no Arquivo Público de Pernambuco, Rua do Imperador,371. O site oficial do projeto é : https://obscurofichario.com.br   .

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