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Daniel Santiago induz ao sonho em exposição no Mamam

Mostra celebra passado, presente e futuro do artista visual

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 20/06/2017 às 12:04
Guga Matos/JC Imagem
Mostra celebra passado, presente e futuro do artista visual - FOTO: Guga Matos/JC Imagem
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O poeta americano Ezra Pound (1885 – 1972) afirmou certa vez que a realidade não é aquela que acreditamos – as obrigações burocráticas, relações interpessoais, prazeres e desgostos do cotidiano. Esta seria apenas a narrativa do animal humano buscando sobreviver. A realidade, de fato, só se apresentaria e concretizaria no mundo onírico. A veracidade da citação não é facilmente comprovada, mas Daniel Santiago tem certeza que a leu em algum lugar. Na verdade, certeza mesmo ele não tem (“Procurei no Google novamente e não achei”), mas esse fato tem pouca importância para ele. A força da ideia, seja ela, de fato, de Ezra ou não, é o que o instigou. A partir dela, ele desenvolveu a exposição Daniel Santiago em Dois Tempos, que abre hoje, às 19h, no Mamam.

Digerida e ressignificada por Daniel, a concepção do poeta americano em relação ao real foi transformada em uma instalação que, para o pernambucano, deve ser lida mais como um happening. Intitulada Um Sonho de Ezra Pound, a obra, concebida em 2015, está localizada no pavimento térreo do museu e é composta por 20 camas de solteiro. Cuidadosamente preparados, os leitos são cobertos por lençóis, fronhas e máscaras de olhos confeccionados pelo artista visual Carlito Person, utilizando técnica de estamparia artesanal com carimbos. Nesse ambiente, os visitantes são convidados a deitarem-se e entrar no mundo real dos sonhos.

No dia da vernissage, Daniel Santiago propõe que os convidados compareçam de pijamas. Participarão do happening, que será filmado e posteriormente exibido no local, Jomard Muniz de Brito, Lúcia Santos, Celso Marconi, José Paulo, entre outros, que foram convidados a passar a noite no museu.

“O happening tem sempre uma surpresa, depende do público, que destroça e recria a proposta. Acho que muitas pessoas que chegarem aqui vão olhar e pensar ‘Que exposição estranha!’”, brinca o artista, que ainda provoca dizendo que o happening está fora de moda.A experiência de pernoitar no Mamam estará aberta para outros grupos durante o período de duração da exposição, mas é preciso agendar com a instituição. Porém, Daniel avisa que induzir ao sono não é o objetivo do trabalho.

“Se quiser dormir mesmo, faça em casa que é melhor. Aqui a proposta é tocar no limiar entre poesia e realidade”, enfatiza.
Para a curadora Joana D’Arc Lima, o happening funciona como uma boa alegoria do trabalho de Daniel, marcado por uma verve lúdica, poética e provocadora.

“A obra dele é permeada por uma dimensão lúdica. No brincar, tudo é possível. É como se Daniel tivesse uma necessidade quase brutal de inventar, provocando esse olhar do adulto sobre a vida. Ele propõe um universo atípico em relação à vida protocolar que levamos”, afirma Joana.

PASSADO, AGORA E O DEVIR

No andar superior, estarão expostos lambe-lambes que abarcam diferentes trabalhos e períodos da obra de Daniel Santiago, a partir da década de 1960. O suporte foi escolhido tanto como uma forma de unificar a apresentação, dada a diversidade da produção do artista. Assim, estarão em exibição não só trabalhos finalizados, como também propostas de projetos nunca concretizados (“Esse aqui, A Democracia Chupando Melancia? Foi rejeitado pela Bienal de São Paulo”, confidencia o artista, com um sorriso no rosto).

“Nomeamos a exposição como ‘Daniel Santiago em Dois Tempos’ porque o tempo, na obra dele, é expandido. É uma produção que permeia muitas temporalidades, como os trabalhos concretizados, que são o passado, o happening, que é o agora, e os projetos ainda não realizados, que são o devir”, pontua a curadora.

Neste mesmo andar, serão exibidos dez filmes idealizados pelo artista, além de capas de livros produzidas por ele quando atuava como designer da Prefeitura do Recife, entre 1984 e 2000.

Profuso, Daniel Santiago faz de sua arte um meio de criação colaborativa, que pressupõe a presença e intervenção do outro, como se para ele não interessasse uma arte que se fecha nela mesma, que não tira o outro do lugar e o faz de maneira provocadora, séria, mas nunca sisuda. Física, literatura, arte popular, filosofia e outros tantos assuntos misturam-se sem hierarquias.

“A arte dele é de inventar-se e de inventar outra possibilidade de se viver. Os pilares principais são a poética, a ludicidade e o humor.

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