Memória da pedra

Mestre Hélio Soares preserva a litografia com o coletivo Ita-Quatiara

No Centro de Artes e Comunicação da UFPE, Ateliê Livre fortalece a cena

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 29/05/2018 às 8:08
Leo Motta/JC Imagem
Nos últimos anos, mestre Hélio estava à frente de ateliê no Centro de Artes e Comunicação da UFPE - FOTO: Leo Motta/JC Imagem
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Entre o final dos anos 1970 e meados dos anos 1990, Pernambuco foi um catalisador da arte litográfica – impressão de imagem desenhada sobre pedra – no Brasil. No Estado, a Oficina Guaianases de Gravura, idealizada por João Câmara e Delano, reuniu artistas de diferentes gerações, como Samico, Gil Vicente, Tereza Costa Rego, Raul Córdula, Isa Pontual, entre outros, além de atrair criadores de outros locais do Brasil. Com a falência do espaço, houve uma dispersão do movimento e a técnica foi gradativamente entrando no ostracismo. No entanto, um dos fundadores da Guaianases, Mestre Hélio Soares, com 50 anos dedicados ao ofício, tomou como missão preservar e difundir a litografia e montou, junto a Rennat Said e José Rodrigues, o Coletivo Ita-Quatiara, atualmente em funcionamento no Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE.

Com o fim da Guaianases, em 1995, trinta anos após sua fundação, o equipamento da Oficina foi doado à Universidade Federal de Pernambuco. Mestre Hélio, de volta ao Estado após um período na Paraíba, montou no CAC o Ateliê Livre, a fim de abrir espaço para a troca de conhecimento. Corruptela de itacoatiara, que em tupi significa pedra pintada, segundo seus fundadores, o Ita-Quatiara está em atividades há três anos. Seus diretores são Said, responsável pelas mídias sociais, Rodrigues, encarregado da parte logística, e Mestre Hélio, um dos nomes mais respeitados da arte litográfica no País.

 

“Nosso desejo é retomar o prestígio que a litografia possuía. Há uma nova geração que não conheceu a Guaianases e, nesse sentido, Mestre Hélio é uma figura que representa a resistência dessa história, uma referência nacional e internacional que tem muito a transmitir. Estamos tentando criar diálogos com os artistas, convidar pessoas que trabalham com diferentes suportes, para dialogar com a litografia”, explica Rennat.

O coletivo tem investido para divulgar seu trabalho é a comunicação digital. A página no Facebook, que conta com quase dois mil membros, é regularmente alimentada com trabalhos de artistas que utilizam o Ateliê Coletivo, além de vídeos do mestre transmitindo conhecimentos técnicos. Os interessados em se aprofundar na litografia podem entrar em contato com o Ita-Quatiara através das redes sociais.

“Existe uma resistência à litografia no Brasil. O mercado não é bom para o comércio dessas obras, além do processo, que é caro. Você não consegue papel de qualidade e o Brasil não produz os materiais, então você tem que importar tudo. Fora que basicamente não há ateliês para que os artistas utilizem os equipamentos”, explica Hélio Soares.

HISTÓRIA DA PEDRA

Mestre Hélio iniciou sua carreira na indústria e, por isso, adquiriu desde cedo conhecimentos técnicos com as máquinas litográficas, como uma do século 19 que ele mantém no Ateliê Livre. Ele foi responsável pela compra de todos os equipamentos da Guaianases e ao longo da carreira ajudou a montar vários espaços dedicados à arte pelo país.
Autodidata e curioso, produz os materiais que utiliza para fazer sua arte. Ele manteve, por muito tempo, essas técnicas em segredo, mas hoje transmite o conhecimento para seus alunos.

“Parte do sucesso da Guaianases foi o fato de termos produzido nosso próprio material, como o crayon litográfico, o de correção, entre outros. João Câmara e Delano liam os livros em inglês, de como fazer, e eu adaptava para os materiais que tínhamos aqui. Fui para o Rio de Janeiro, na década de 1980, aprender a costurar o rolo de couro, porque só tinha um homem no Brasil que fazia isso. Aprendi tudo e, quando ele morreu, só eu ainda tinha a técnica no Brasil. Vendi para tudo que é canto, aqui e no exterior”, explica.

Sobre seu legado, Hélio Soares, 72, não tem pretensões de glória, apenas o desejo de ver a arte litográfica perpetuada. “Preferia que ninguém me visse como Mestre Hélio, como grande técnico. Queria que cada um tocasse a vida, experimentasse técnicas, estilos. Na verdade, nunca vou parar de vez. Se um amigo meu disser que está com problema na litografia dele, eu vou lá, dou conta, termino, e pronto, não diga a ninguém que eu ajeitei”, encerra, rindo.

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