Na pintura mais recente de Alice Vinagre, uma artista da chamada Geração 80 responsável pela volta da presença e do prestígio da pintura ao panorama da arte brasileira, há uma guinada para o azul. Além da paleta, suas narrativas visuais trazem personagens e erupções enredadas em mares. “Não sei explicar porque, mas esses elementos estão na minha memória, nunca fui surfista ou pescadora, mas desde muito criança tenho convivência com o mar. Essa fluidez me interessa”, diz a paraibana radicada no Recife há mais de duas décadas. Depois de sete anos, ela volta a apresentar uma individual na cidade.
Alice inaugura hoje a exposição Com Olhos de Náufrago ou Onde Fica o Próximo Porto, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, na Rua da Aurora.
Com curadoria de Julya Vasconcelos, a mostra ocupa com mais de trinta obras os três andares do sobrado em que funciona o Mamam. Trabalhos de fases diversas de Alice Vinagre, desde os anos 1980 e 1990 até produções recentes. Os últimos, de forma não deliberada, mais gestados mais pela força dos impulsos inconscientes que pelo planejamento, quadros em tons de azul diferentes sobre diferentes situações em águas.
Escolhido pela artista, o título da mostra, não gratuitamente, é também o título de uma das obras: o quadro de um pequeno barco navegando num mar agitado. “A imagem desse barco no mar revolto fala de uma jornada espiritual, o risco da busca pelas terras desconhecidas”, comenta a artista, informando que a imagem evoca as ideias da monja budista Pema Chödrön, uma de suas referências. No último andar da exposição, uma parede, aliás, traz uma série de frases com inspirações e referências da artista.
NAUFRÁGIO
“O risco do naufrágio como metáfora da busca espiritual e do náufrago como uma espécie de alegoria da condição humana é um dos eixos possíveis de leitura da exposição, e também o naufrágio em seu sentido prosaico, de afundamento nas águas, e as sensações e imagens que podem se despregar daí. Há um maciço uso dos translúcidos, do espaço vazio, do azul, dos barulhos e dos silêncios, que remetem a esse significado”, explica a curadora.
Apesar da presença dos barulhos fluídos das águas nas imagens, e de manter o equilíbrio instável entre elementos díspares que vem marcando sua pintura desde os primeiros tempos, esses quadros mais recentes de Alice podem ser considerados mais silenciosos. Não trazem o ruído dos elementos sobrepostos de suas primeiras telas dos anos 80, quando a linguagem das charges, dos quadrinhos e do grafite rústico, instantâneo, das ruas, chamaram a atenção da obra de Alice como uma das renovadoras vigorosas da pintura brasileira - uma artista em cujos quadros questões muito subjetivas colam-se a paisagens sociais mais abrangentes.
No primeiro andar do Mamam, estão obras da fase mais colorida, inicial e explosiva de Alice - várias delas sem exposição ao público há décadas. “São trabalhos que tem uma presença em termos de cor e de ruído. São mais barulhentos”, comenta. A mostra, portanto, é uma oportunidade de conferir uma panorâmica dos primeiros anos à maturidade de uma artista cuja obra contribui para a ampliação da arte brasileira até os dias de hoje.
Com olhos de náufrago ou onde fica o próximo porto – Alice Vinagre. Abertura: 6 de dezembro, 19h. Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Rua da Aurora, 265, Boa Vista, Recife. Até 24 de fevereiro.