Maurício Arraes já pintou muitos temas ao longo de sua longeva carreira (são 41 anos em atividade). Do Carnaval às feiras populares, seus traços capturaram a efervescência das grandes cidades. No entanto, na exposição O Silêncio do Bairro, que ele abre dia 4 de junho, na Galeria Arte Plural, ele se debruça, como sugere o título, nas miudezas do cotidiano e na complexidade presente nos detalhes desses centros urbanos.
Com curadoria do jornalista Júlio Cavani, a mostra reúne trabalhos que ressaltam o olhar atento de Maurício Arraes para o que está à margem. O tempo de suas paisagens parece suspenso ou alheio às rápidas transformações tecnológicas das últimas décadas.
Como aponta o texto curatorial, há ali um retrato do Brasil despido de símbolos óbvios ou ufanistas. Eles se expressam na arquitetura simples dos botecos, nas cores fortes das casas do interior ou nos personagens despidos de glamour.
A presença constante de cachorros vira-latas também insere esses seres tão presentes em nossas cidades, revestidos de uma simbologia que pode ser lida como uma ode aos invisibilizados.
“Sempre procuro o lado mais escondido da paisagem urbana. Quando reunimos esses quadros, achei até que o tema poderia ficar um pouco melancólico, mas o resultado não leva para este lado. Não sei se pelas cores fortes, mas acho que em conjunto esses quadros passam uma sensação de tranquilidade”, p0ntua o artista.
LEITURAS
Um aspecto que chama a atenção no conjunto de telas é a unidade. Ainda que o período de produção dos trabalhos transite por diferentes décadas, do final dos anos 1970 até hoje, e os espaços retratados sejam distintos – Recife, Rio de Janeiro, Argélia e cidades do interior – há elementos que os aproximam.
“Não sei se pelo fato de ter saído do Brasil aos 13 anos, quando fui para a Argélia e depois para a França (Maurício se mudou com a família após seu pai, o ex-governador Miguel Arraes, ser exilado pela ditadura militar), quando voltei meu olhar era de espanto e deslumbramento. Você passa a ter uma visão diferente, mais detalhista, para os elementos que pareciam banais”, enfatiza.
Para Júlio Cavani, os quadros de Maurício Arraes se contrapõem à brutalidade do momento político atual, no qual a violência verbal e física prevalece, e ressalta a força do povo brasileiro.
Nesse sentido, alguns elementos ganham leituras políticas, como uma pichação em um muro de Argel, com as iniciais OAS ( Organisation Armée Secrète, que liderou a guerra pela independência contra a França), ou ainda um cachorro, que, alheio ao redor, urina em uma árvore.
“O processo de curadoria não foi só o de escolher os quadros. Conversamos muito sobre o que está acontecendo no país e buscamos mostrar esse caráter de resiliência da alegria, apesar das dores. Há uma certa contestação inclusive do modo de vida contemporâneo”, aponta Cavani.