O interesse de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca pelas expressões culturais que nascem fora dos centros de poder e desafiam convenções sociais tem gerado obras impactantes, que conquistam espectadores ao redor do Brasil e do mundo. Essa pesquisa que vem se desdobrando desde 2013 começou a tomar forma, no audiovisual, com Faz Que Vai, trabalho que dá nome à exposição que é aberta quinta-feira (27), às 19h, na Galeria Vicente do Rego Monteiro, na Fundaj Derby.
Pensar o frevo para além do lugar da tradição, entendendo como a dança e a música afetam e transformam os corpos, foi o pontapé para este trabalho lançado em 2015. Nele, Bárbara e Benjamin convidam quatro artistas – Ryan Neves, Edson Vogue, Bhrunno Henryque e Eduarda Lemos – para apresentarem suas vivências com o frevo em diálogo com outras danças, como a swingueira, o funk, o voguing e o bate-cabelo.
A partir desse estudo, das vivências com os artistas, a dupla desenvolveu um método de trabalho que permitiu a cada intérprete vislumbrar uma forma única de estar em cena, sem trilha sonora, uma vez que esta só foi criada depois, pela Orquestra Popular da Bomba do Hemetério. Subvertendo noções clássicas ligadas ao frevo, os artistas reduziram o elemento do ritmo à percussão, retirando as partes melódica e de sopro.
“Nossa preocupação maior naquela época era como falar de tradição sem estigmas, sem posicioná-la como uma moeda de distinção. O frevo está inscrito no folclore do estado de Pernambuco, enquanto o brega não, por exemplo. Nos interessava perceber como o frevo, nascido da resistência de ex-escravos, continuava questionador, com outra cara. Os artistas que convidamos são jovens dançarinos profissionais, todos dançam frevo, mas têm práticas e entendimentos da dança muito particulares, e buscamos preservar isso no filme. Há metodologias específicas para filmar cada corpo em movimento”, explica Bárbara.
CAMADAS
Para o curador Moacir dos Anjos, Faz Que Vai, assim como os trabalhos subsequentes da dupla – como Estás Vendo Coisas (2017), Terremoto Santo (2018) e Swinguerra (2019), este atualmente em exibição na Bienal de Veneza – articula, entre outras, questões de classe, raça e gênero, a partir da música e da dança.
“Os corpos em foco no filme são dissidentes e contradizem a postura rígida do cotidiano. Eles instigam várias camadas de contestação a partir do hibridismo e retomam a potência rítmica do frevo”, enfatiza Moacir.
As camadas políticas que o trabalho carrega evidenciam um momento de transformação nas representações sociais, fortalecida nos últimos dez anos. Segundo Benjamin de Burca, o filme não precisa falar diretamente das questões sociais, porque elas estão latentes e reforçam a importância do incentivo às políticas afirmativas.
“Nossos filmes mostram uma realidade sociopolítica muito plural, cheia de conflitos. Não se pode menosprezar o brega, o passinho, enfim, o que está vivo e se manifesta. Quando observamos estes cortes na Educação e na Cultura, não tem como não nos assustarmos. O ambiente que começou a proporcionar a ascensão dos grupos historicamente excluídos começa a desaparecer. É um ataque constante às diferenças. É preciso estar atento aos movimentos, às expressões culturais em transformação”, reforça o artista.
Bárbara endossa o pensamento de Benjamin e ressalta que o momento histórico pelo qual atravessamos é grave e os efeitos serão sentidos a longo prazo. Ela cita como exemplo Edson Vogue, que utilizou sua experiência em Faz Que Vai como objeto de pesquisa de seu projeto de conclusão na graduação em Dança pela Universidade Federal de Pernambuco. “Com esse desmonte, histórias como as de Edson se tornarão raras.”
Além do vídeo, a exposição conta, ainda, com quatro lenticulares, focando em cada um dos artistas. Estreitando o diálogo iniciado na pesquisa do projeto, quando tiveram acesso ao acervo iconográfico da Fundação Joaquim Nabuco, estarão expostas fotografias dos anos 1940 de Juventino Gomes, fotógrafo amador recifense mais conhecido como Juju. São duas imagens: uma, com um homem executando um movimento de frevo enquanto é observado por uma plateia; a outra, a mesma imagem, porém sem as pessoas ao redor (uma intervenção do próprio fotógrafo). Estarão também em exibição a partitura do frevo O Picadinho do Faz
Que Vai Mas Não Vai, de Nelson Ferreira, e um curta de Fernando Spencer sobre a história do ritmo e da dança. Ao longo de julho, serão promovidas oficinas na galeria, ministradas pelos dançarinos retratados no filme. As inscrições, gratuitas, serão abertas na próxima semana.