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Exposição 'Educação Pela Pedra' articula educação e resistência

Inspirada em poema de João Cabral de Melo Neto, mostra reúne artistas contemporâneos

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 04/12/2019 às 11:34
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Inspirada em poema de João Cabral de Melo Neto, mostra reúne artistas contemporâneos - FOTO: Divulgação
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Educação Pela Pedra, que é aberta nesta quarta-feira (4), às 18h30, na Galeria Vicente do Rego Monteiro, na sede da Fundação Joaquim Nabuco no Derby, não é uma exposição que almeja traduzir em imagens o poema homônimo de João Cabral de Melo Neto, e sim de explorar as possibilidades que ele evoca, articulando o pensamento do poeta pernambucano com o de artistas contemporâneos. Com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra integra o ciclo de atividades do Seminário Internacional Casa-Grande Severina: 120 anos de Gilberto Freyre, 100 anos de João Cabral de Melo Neto, promovido pela Fundaj, que segue até esta sexta-feira.

A escolha desse poema foi, segundo Moacir, uma forma de homenagear João Cabral de Melo Neto a partir do mote da educação, uma questão central para qualquer nação e particularmente problemática para o Brasil. Ao começar a montar a exposição, ele acessou trabalhos que são atravessados pela temática ou que tenham ligação direta ou indireta com o mineral.

“Uma questão que me mobilizou foi de como pensar as formas que a arte partilha dessa ‘pedagogia da pedra’, que é muito ampla na poesia de João Cabral. Quando terminamos de reunir as obras, o que resultou foi uma exposição concisa, mas forte, com trabalhos em diversas manifestações, como instalação, escultura, vídeo e fotografia”, pontua Moacir.

Entre as obras que compõem a exposição – e que, de alguma forma, norteiam o visitante tanto por seu impacto visual quanto pelas leituras instigantes que propõem – estão Sobre Este Mesmo Mundo, de Cinthia Marcelle (MG), e Babilônia, Roma e Egito, de Marcelo Moscheta (SP). O trabalho da mineira é uma instalação composta por um quadro negro sobre o qual foram escritas e apagadas diversas mensagens ao longo de quatro dias. O resultado funciona como uma certa arqueologia do conhecimento, enfatizada pelos montes de pó de giz no chão da sala, que evocam a importância de uma construção constante e também parecem denunciar as diversas tentativas de apagamento da educação.

Já o trabalho do paulista é composto por três obras, com pedras estruturadas sobre suportes de ferro, cujos títulos remetem a civilizações grandiosas que construíram monumentos icônicos e produziram conhecimentos até hoje valiosos, e posteriormente sucumbiram. O artista utiliza pedras litográficas, o que segundo Moacir adiciona outras camadas de leitura, ligadas à memória e à transmissão do conhecimento.

O papel estruturante da educação aparece também em uma homenagem a Paulo Freire e seu método revolucionário de alfabetização de adultos. O educador acreditava na autonomia e protagonismo dos alunos, incentivando-os a aprender a partir de símbolos presentes em seu cotidiano. Na exposição, serão projetados os slides produzidos para as aulas, entre eles alguns desenhados por Francisco Brennand.

Em diálogo com o método de Freire está o trabalho de Jonathas de Andrade, ABC da Cana, uma série de fotografias nas quais trabalhadores exibem as letras do alfabeto feitas com talos de cana recém-cortados. Ou ainda na série Crônicas de Retalho, de Randolpho Lamonier, que mescla palavras de ordem com imagens quase infantis de símbolos como fábricas e casas.
Entre os vídeos estão trabalhos da artista Oriana Duarte, com registro da performance A Coisa em Si, na qual produz e consome uma sopa de pedras (cujos minerais são colhidos em cada cidade que visita); um vídeo-slide do artista Traplev celebrando a obra do educador baiano Anísio Teixeira; e Vertières I II III, de Louise Botkay, gravado no Haiti e que articula tensões entre a herança colonialista e a resistência da população negra.

Também em exibição está o filme Bora Ocupar, de Soraia Carvalho, sobre as ocupações estudantis nas escolas secundaristas, em 2016. A obra Geminis, de Paulo Bruscky, e a litogravura Transfobia, de Agripina Manhattan, completam a exposição.

PALESTRA

Além da exposição, a programação de abertura, hoje, conta com a exibição do filme Recife de Dentro Pra Fora, de Kátia Mesel, às 19h, no Cinema da Fundação, seguida de uma conversa com a cineasta sobre o tema. Em seguida, às 19h, o professor da Universidade do Porto Arnaldo Saraiva ministra a conferência inaugural do Seminário, em torno do tema “João Cabral na poesia portuguesa”.

Ele explica que embora a primeira crítica sobre João Cabral em Portugal tenha sido publicada em 1949, apenas dez anos depois sua poesia se tornar mais presente no país, especialmente depois da publicação da 1ª edição de Quaderna e da antologia de Poemas Escolhidos, organizada por Alexandre O’Neill.

“Grandes poetas já então consagrados como Sophia Andresen, Jorge de Sena e Mário Cesariny, ou em vias de consagração, com Armando Silva Carvalho e Manuel Alegre iriam acusar, como vários poetas (e críticos) jovens, a influência ou a admiração por João Cabral, que em 1966 conheceria um grande sucesso popular com as representações em Lisboa, Porto e Coimbra, do TUCA, da Morte e Vida Severina. Bem mais do que nos temas e motivos do pouco ou do pobre de Vidas Secas, a influência de João Cabral nota-se sobretudo na dicção antilírica, na fuga ao sentimentalismo e ‘a melopeia’ que ele criticou na poesia portuguesa e brasileira, no gosto de um metaforismo concreto”, pontua. “João Cabral marca a história da poesia em português – e não só – pela exemplaridade da sua linguagem concisa, inteligente e empenhada. Diferentemente de outros poetas importantes, ele não nos deixou poemas ou versos fracos ou banais. Poeta culto e conceitual, soube tirar o melhor partido da experiência de vida e cultura que o povo e o espaço do Nordeste lhe proporcionou e que, como Sevilha, ele mitificou, tirando deles lições para a transformação dos homens ou para que cada ser humano viva com dignidade”.

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