Se não tivessem um bom fundo de verdade, os clichês certamente não teriam tanta aderência. Se a analogia com as águas justifica o apelido de Veneza Brasileira ao Recife, o atual mapa gastronômico da cidade pode reforçar a filiação italiana com a capital pernambucana. Nunca tantos salões foram abertos em torno desta equação milenar de trigo, água e eventualmente ovos que resultam nas massas sobre as quais se estrutura a civilização italiana.
Depois de uma temporada irregular na Galeria Joana d’Arc, no Pina, o La Pasta Galleria arrumou a mudança e parece ter encontrado o terreno da receptividade no novo endereço no Poço da Panela. No grande casarão dos anos 1930 na Estrada Real do Poço, o chef André Falcão não poderia ter encontrado melhor ambiência. Quase todas as noites, o salão está cheio cheio de gente ao redor das mesas forradas por toalhas de xadrez vermelho, quadros com paisagens e objetos domésticos, como a evocar a simplicidade elegante da Toscana. Os pisos de ladrilho hidráulico original são complementados pelas portas também originais da casa antiga, cuja madeira foi cuidadosamente recuperada. Nesta ambiência, Falcão gravita em torno dos pilares comestíveis toscanos.
As massas de maior combate como espaguete ou penne, são importadas, de grano duro. O carborana, aliás, honra o peso da tradição: o espaguete puxado com pedaços magros de bacon (e não pancetta, ainda difícil de se achar no Recife) é cremosamente envolvido com ovo deliciosamente caipira. Nada de creme, para facilitar a finalização. O resultado vale cada caloria. Bem envolvido em seu molho, o putanesca é também satisfatório, embora um pouco mais de anchova o deixasse mais pronunciado. No terreno da inovação, o chef marca um golaço: é de talhar a memória do paladar seu agnolotti de compota de maçã com brie, um queijo que, a apesar da origem francesa, fica lindo dentro dessa massa por sua capacidade de duelar tão bem com notas adocicadas. A manteiga e o crocante de Parma deixam o conjunto mais italianamente adulto. Como todas recheadas, a pasta da receita é fresca.
Há também uma inovação no nhoque: feito com espinafre, ricota e trigo para dar liga no lugar da batata. Mas a textura, nada acetinada, decepciona quem está acostumado com o original feito com batata, também disponível na casa. O molho ao sugo poderia ter acidez um pouco mais modulada e ficaria mais cativante se mais pedaçudo, exibindo maior artesanalidade. Os preços são relativamente comedidos em relação aos praticados no mercado atualmente. As massas secas custam pouco mais de R$ 30. As recheadas, R$ 40.
Também na Estrada Real do Poço, o Antica Roma oferece epaguete, nhoque, rigatones e até pizzas no forno de lenha. Raro na cidade, ali encontramos o nhoque à sorrentina, com seu devido molho de tomate-cereja, manjericão e cebola, mais muçarela de búfala (R$ 34,00). Entre os ragus, há também um feito com rabada. Nos almoços de domingo, cordeiros e outras carnes entram no forno para a cocção lenta.
Um pouco mais veterano na mesma Estrada Real do Poço, o Pecora Nera fidelizada pela rusticidade bem calculada do ambiente e o requinte raro no tratamento das massas clássicas, carnes e risotos do chef Thiago Vita. O ragu de javali, cozido por oito horas, é nada menos que monumental. O molho de tomate é um dos melhores do Ocidente. O uso de trufas nas carnes e massas é puro luxo comestível - mas, na última visita, o papardelle ao funghi estava pesado: a massa colada, molho opaco, pouco funghi para realçar o conjunto.
A vocação italiana do bairro de Casa Forte também se confirma em endereços antigos e sempre renovados. Com um rigor técnico e artesanal de cobrir de honras seus antepassados italianos, as irmãs cozinheiras Albânia e Gênova do Cucina De’ Carli são obssessivamente complusivas quando resolvem lançar um novo prato. Testam cansativamente o preparo até obter a textura ideal. Assim, é lindamente viscoso o Tortelli Nero com Camarão e Alho-poró (R$58), uma massa fresca negra pela tintura de lula, recheada com camarão e alho-poro, servida com azeite de manjericão. Delicado e com uma nota láctea sutilmente adocidada, o fagottini de queijo Masdam com molho de tomate com manjericão (R$38) surpreende. O molho é vivamente vermelho, numa coção rápida, bem pedaçudo. Dá a impressão de que uma horta de tomates está ali no jardim. Ótimo o mousse de ricota com amoras (R$22), para sobremesa.
Também veterano no bairro, o Pomodoro Café está se renovado: mudou o ambiente, criou cardápio riscado nas paredes e agora só abre a noite. O chef Duca Lapenda está preperando novo cardápio para novembro, mas clássicos da casa como o escalope ao Marsala com espaguete (R$ 49).