O food-trailer Queens Cozinha Extravagante parece uma nave pousada numa galeria de lojas, em esquina do Parnamirim. Estampado em preto e branco com desenhos assinados pelo artista Java Araújo, dele se desprende uma seleção musical que remete às trilhas sonoras de filmes memoráveis: Jackie Brown foi apenas um dos que passaram pela minha cabeça nos minutos iniciais em que me instalei em uma das cadeiras que acompanham as mesas colocadas no “estacionamento” que dá para a Estrada do Arraial.
Aguardo a chef e proprietária Ericka Rolim para saber mais, inclusive porque uma passada de olhos pelo cardápio – pequeno em tamanho, mas gigante se considerarmos o espaço físico de apenas oito metros quadrados para a cozinha – revela uma bem-humorada tendência para batizar os itens que ali estão. Pessoalmente, adoro os menus auto-explicativos, mas aprecio ainda mais aqueles que dedicam parte do seu tempo a escolher o nome perfeito para nomeá-los.
Eis alguns dos nomes que representam as criações de Ericka Rolim: Ellen Ripley (a tenente interpretada por Sigourney Weaver, em Alien, é um pão de azeite com tiras de filé, cebola tostada e queijo gouda!), Divine (a drag queen e musa do diretor John Waters se faz representar como um pão de azeite recheado com lagosta cremosa, pepino agridoce, parmesão maçaricado e ervas frescas), Blue Velvet (o icônico filme de David Lynch se transforma num burguer com muito blue cheese, geleia de frutas vermelhas e amêndoas laminadas) e (surpresa, surpresa!) Jackie Brown, o movielicious de Quentin Tarantino que virou um brownie no copo com farofa de castanha e sorvete (R$ 12,50).
Ainda aparecem, explicitamente, divas como Grace Jones (hambúrguer com camarão, queijo gouda e maionese), enquanto Donna Summer se insinua discretamente no nome do hambúguer-canção I Feel Love. E, vou te contar, é para sentir amor mesmo por essa composição feita por um blend autoral de carnes, mais uma apoteose de bacon, molho barbecue, mix de folhas e cheddar (R$ 19,50).
Os dados estão ali, sugeridos, mas quando a mentora do negócio chega, tudo se esclarece. Ericka é influenciada, não necessariamente nessa ordem, por mulheres fortes e emblemáticas – como a sua mãe, Cremilda, 81 anos, com quem aprendeu tudo sobre arte culinária –, por música e cinema, especialmente pelos frutos dos anos 70 e 80.
Pronto, vemos aí a explicação para parte do nome dado ao trailer: Queens, rainhas, imperatrizes, mulheres que não se deixam possuir (“Ninguém mete a mão na minha panela”, era a frase mais repetida pela matriarca), mas que nutrem e acolhem.
A parte “extravagante”, que se acoplou ao substantivo “cozinha”, vem das inúmeras viagens que Ericka fez e da experiência acumulada em outras empreitadas, como o negócio de catering para cinema. Neste afazer, aliás, aprendeu a se virar nos 30, cozinhando para um grupo extenso de pessoas, às vezes em locações que careciam de um mínimo de infra-estrutura. Um trunfo para quem, há seis meses, comanda um restaurante sobre rodas.
Num mercado que ainda privilegia a dobradinha preço x praticidade, especialmente num gênero simplisticamente rotulado como fast-food, também pode ser considerada extravagante sua opção de se cercar apenas por fornecedores locais, mesmo que isso signifique pagar mais pelo insumo.
Extirpar o mais que puder a indústria do processo é, sim, uma atitude político-econômica. Sua lagosta vem da colônia de pescadores, com os quais dialoga sempre que pode. Seu blend de carnes é composto por cortes frescos e de procedência verificada in loco, seus laticínios vêm de pequenos fornecedores e assim por diante.
Porco é a paixão que Ericka traz, inclusive tatuada no braço e traduzida na técnica primorosa de deixar seu bacon crocante no ponto certo. Outra declaração de amor suína é o sanduba Nina Hagen, que traz até nós o germaníssimo schnitzel, um bife de porco empanado e achatado, com queijo gouda, geleia de bacon e rodela de abacaxi caramelizado (R$ 22,90).
Queens – Estrada do Arraial, 2541, Galeria CasaGrande. Terça a quinta, das 18h às 23h; sexta e sábado, das 18h a 00h e domingo das 17h às 22h30