novo filme

Godard promove a desconstrução da linguagem

O diretor francês, que é considerado o enfant-terrible da nouvelle vague, é hoje um senhor de 83 anos

Da AE
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Publicado em 23/05/2014 às 11:39
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O diretor francês, que é considerado o enfant-terrible da nouvelle vague, é hoje um senhor de 83 anos - FOTO: Foto: AFP
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E no princípio era o Verbo - Goda-art? Jean-Luc não veio a Cannes, depois de criticar a mundanidade do festival, mas enviou seu filme, Adeus à Linguagem, Adieu au Langage. De qual linguagem se trata? A do cinema, por certo, porque após o episódio de 3X3, ele recorre de novo ao 3D, mas o faz de um jeito que, às vezes, em vez de criar profundidade, ou texturas, ele superpõe imagens que terminam por se anular. Resta a palavra que sempre foi decisiva em seu cinema. O que Jean-Luc Godard ainda tem a dizer sobre as pessoas, após Acossado, Uma Mulher É Uma Mulher, Viver a Vida, Pierrot le Fou etc? O melhor personagem, de Adieu au Langage, é um cachorro, e posto que Jean-Luc não veio explicar pessoalmente, pode-se crer que o cachorro é dele. Os norte-americanos diriam que é um ‘thief stealer’, um ladrão de cenas. Não é a menor das surpresas do filme. Godard virou um gênero e, neste sentido, Adieu au Langage talvez proporcione mais do mesmo. Ao mesmo tempo, consegue ser novo, até na abordagem do 3-D, porque o autor não usa a linguagem como ferramenta para contar uma história e sim, para desconstruí-la. Tudo isso parece muito vaga e/ou conceitual, mas vai entender quando vir o filme. No Festival do Rio? Na Mostra?

Godard, o enfant-terrible da nouvelle vague, é hoje um senhor de 83 anos. No mesmo dia, a imprensa assistiu a seu filme e ao novo Xavier Dolan. Jane Campion realizou seu primeiro filme no começo dos anos 1980. Como presidente do júri, e avó, ou mãe protetora, ela pode querer premiar o canadense Dolan. É o mais jovem autor a concorrer à Palma de Ouro. François Truffaut tinha 26 quando foi premiado aqui em Cannes por Os Incompreendidos, no alvorecer da nouvelle vague. Aos 25, Xavier Dolan já tem uma obra. Mommy é seu quinto filme. Os demais passaram quase todos em Cannes, em diferentes seções do festival. Mommy é sua primeira entrada na competição.

Tudo conspirava contra Mommy. O filme é falado em francês canadense e permeado de gírias, o que o torna indecifrável. Os diálogos não são ditos - são gritados. A tela é menos que um quadrado - Dolan dá a impressão de abrir uma fresta, não uma janela, para que o público olhe seus personagens. E as legendas, para complicar, tinham a metade do tamanho das letras normais. Um suplício, mas então o que faz com que Mommy, afinal, seja o melhor filme do jovem diretor? É a história de um estranho triângulo, formado pela mãe e a vizinha de um garoto que sofre de TDAH, transtorno de déficit de atenção. E, pairando sobre as relações complicadas, por meio das quais as pessoas vão se descobrindo, existe uma lei selvagem do Canadá. Familiares podem internar os filhos menores sem necessidade de um diagnóstico.

O filme passa por estágios como agressão, desespero, solidariedade, abandono. Quando tudo parece perdido, o garoto... Você não perde por esperar. Dolan trabalha com suas atrizes preferidas, Anne Dorval e Suzanne Clement. Ele próprio parece tão jovem quanto seu ator, Antoine Olivier Pilon. Quando fez o primeiro longa, J'ai Tué Ma Mére, ele confessou que realmente queria matar sua mãe. Agora, de alguma forma mais maduro, é o primeiro a admitir que lhe fornece a revanche. A vingança de uma mãe.

Ken Loach e 'Jimmy's Hall' - Ken Loach já ganhou todos os prêmios no Festival de Cannes: melhor ator, atriz, roteiro, prêmio do júri e, naturalmente, o maior de todos, a Palma de Ouro (por Ventos da Liberdade). Aos 77 anos, ele decidiu que já é tempo de se aposentar e chegou à Croisette com a firme disposição de que Jimmy’s Hall seja (ou fosse) seu último filme. É melhor colocar no passado. É tanta gente a pedir que Loach continue filmando que é bem possível que ele reconsidere sua decisão.

Jimmy’s Hall se assemelha a todos os seus outros filmes, e não apenas no método. É como se Loach e seu cúmplice - o roteirista Paul Laverty - estivessem fazendo sempre o mesmo filme, uma espécie de manual marxista da dialética. O novo filme começa na Irlanda, em 1932 e recua dez anos para contar como, no quadro das lutas pela emancipação da Inglaterra, a Irlanda virou um campo de batalha. Jimmy Gralton volta dos EUA para se ocupar das terras da família. É arrimo da mãe, que perdeu o marido e um filho, o irmão de Jimmy. Ele traz novas ideias da ‘América’ e transforma um casarão - o hall do título - num centro cultural e esportivo que imediatamente atrai os jovens. A Igreja e os grandes proprietários se unem contra ele. Jimmy é taxado como comunista.

Loach faz filmes veristas que se assemelham a documentários, mas são ficções. Pedaços arrancados da própria vida. E ele gosta de trabalhar com a emoção. Em Dois Dias e Uma Noite, os irmãos Dardenne também trabalham com a emoção, mas evitam terminar seu filme com uma nota para cima. Por exemplo, num momento de solidariedade, Sandra, a protagonista (Marion Cotillard), seu marido e uma amiga cantam um rock no carro. O filme poderia terminar ali, mas continua até um final que redimensiona as coisas e coloca um problema para o espectador. É como se a narrativa, do ponto de vista ético, voltasse ao começo.

No desfecho, transforma uma derrota em vitória, também celebrando a solidariedade, mas um letreiro relativiza as coisas. É como se, por mais inspirador que tenha sido o homem, ele queira dizer que seu legado foi maior. Você vai entender quando vir. A que prêmio Loach ainda pode aspirar, nessa quadra de sua vida? O prêmio seria nosso, se não deixasse de filmar.

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