CRÍTICA

A melodia do olhar de Kleber Mendonça Filho em O som ao redor

Filme mostra contradições que dominam relações de classe em Pernambuco

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 04/01/2013 às 6:00
Vitrine Filmes/Divulgação
Filme mostra contradições que dominam relações de classe em Pernambuco - FOTO: Vitrine Filmes/Divulgação
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Filho de uma socióloga, a quem o filme O som ao redor é dedicado, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho carrega no DNA grande interesse por questões de classe. Algo que não está muito presente no cinema brasileiro atual, convenhamos. Mas isso, ao contrário, não faz de seu primeiro longa-metragem de ficção um filme de tese – ou seja, ele não parte de ideias apriorísticas para provar alguma coisa. No entanto, não há dúvida do alvo de O som ao redor: enterrar de vez o mito da cordialidade brasileira, em geral, e da pernambucana, em particular.

Antigas fotografias em preto e branco, na abertura do filme, evocam a divisão entre casa grande e senzala que formou a base das relações de classe em Pernambuco. É com coragem que Kleber desvela uma realidade, que se estende até hoje, em que a burguesia se comporta como coronéis ou senhores de engenho. Em quase todas as relações entre os personagens do filme, há sempre um jogo de poder: uma pressão de cima para baixo que já não condiz com uma realidade em mutação.

Naturalmente, nada funciona tão preto no branco. Há ocasiões em que as forças se invertem e o que entra em cena é da parte do imprevisível – uma reação em cadeia em que os acertos de contas reacendem rixas e vendettas atávicas. Mas, não pensem que Kleber trata seu filme com a sisudez dos tratados sociológicos. Ledo engano. O roteiro de O som ao redor – com seus vários personagens, suas várias castas – é sólido e bem construído, desenvolvendo-se com um ritmo implacável, sem nada fora do lugar.

Se por um lado O som ao redor é tributário do peso da história, por outro é um hino ao próprio cinema no que ele tem de mais importante: a construção do olhar. Afinal, o que é o cinema senão um modo de ver o mundo. Nicholas Ray, o cineasta americano de Juventude transviada (Rebel without a cause, 1955), cunhou uma frase belíssima: “O cinema é a melodia do olhar”. Essa cosmovisão está em presente no filme no jeito como Kleber Mendonça Filho aponta a câmera para personagens e paisagens, como também na captação do som que os envolvem.

Ao se articular em vários focos – no cotidiano de uma dona de casa entediada, no grupo de seguranças e entre os herdeiros de patriarca decadente –, O senhor ao redor ambiciona capturar um momento do tempo, do aqui e agora em que vivemos. Com domínio impecável da narrativa, Kleber filma o medo de uma sociedade que nunca teve a gentileza como princípio. Às vezes, a sensação é de estarmos assistindo a um thriller de horror, um drama social ou uma comédia de costumes. Por sinal, essa filiação do cinema de gênero dá um sabor muito especial a O som ao redor.

Vale ressaltar, também, o excelente elenco do filme, tendo à frente os atores W.J. Solha, Gustavo Jahn, Irandhir Santos e Maeve Jinkings.

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