ESTREIA

"Praia do Futuro": a busca de um lugar para ser

Em cartaz a partir desta quinta (15/5), o novo (e aguardado) filme do cearense Karim Aïnouz explora fronteiras da existência pela masculinidade

Olívia Mindêlo
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Olívia Mindêlo
Publicado em 15/05/2014 às 6:00
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Em cartaz a partir desta quinta (15/5), o novo (e aguardado) filme do cearense Karim Aïnouz explora fronteiras da existência pela masculinidade - FOTO: Divulgação
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Da série de filmes recentes que trazem o corpo de volta ao cinema, para usar a interpretação do cineasta pernambucano Hilton Lacerda (Tatuagem), Praia do Futuro é certamente dos mais interessantes. E o que há de comum entre o novo trabalho do cearense Karim Aïnouz (O céu de Suely; Madame Satã) e produções como Azul é a cor mais quente (Adèle/FRA), Hoje eu quero voltar sozinho, Um estranho no lago(L’inconnu du lac/FRA) e o próprio Tatuagem de Hilton – todos em cartaz por aqui, nos últimos meses – não é simplesmente o protagonismo do corpo diante das câmeras (e dos dramas), mas o fato de não serem “filmes gays”. Praia do Futuro não é um filme gay e, assim como os demais, ajuda a tirar o cinema deste armário de gêneros e guetos.

Como nos outros desta safra atual, o longa-metragem que estreia hoje no País traz, sim, uma relação homoafetiva na trama. Mas, seguindo o que afirmou Wagner Moura nos últimos dias, “E daí?”. O ator baiano, aliás, dá vida a Donato com a mesma entrega com que se deu a Capitão Nascimento (Tropa de Elite 1 e 2). O salva-vidas de Praia de Futuro, contudo, é bastante diferente do personagem-celebridade do Bope criado por José Padilha. Donato é um homem comum (ou um herói como a gente, na visão do diretor), sem grandes ambições ou qualquer recalque de liderança. É um cearense que tem irmão, tem trabalho e tem mãe, como ele mesmo se define ao longo da história.

O ponto de mudança do salva-vidas está em Konrad (Clemens Schick), o alemão que conhece em Fortaleza, depois de resgatá-lo da água. Durante o salvamento, Donato livra a pele do gringo, mas não consegue evitar o afogamento do homem (caso amoroso) com quem Konrad estava no momento do acidente. Mas é justamente a ausência desse corpo, sumido no mar, que possibilita a aproximação entre o salva-vidas e o alemão, um viciado em moto. E é assim que iniciam uma história de carne e sentimento.

Se as mulheres existem no mundo, em Praia do Futuro ninguém sabe, ninguém viu; são mera figuração. E não só. A energia feminina também é coadjuvante, estamos diante de um filme extremamente masculino; de corpo e alma. Não que os polos opostos “yin-yang” não estejam presentes – sempre estão –, mas esta é uma “brincadeira de meninos”, com uma narrativa longe de ser uma brincadeira.

Karim Aïnouz conduz seu roteiro com muita beleza e vai levando seu casal de forma cuidadosa, sem provocar um choque com a forte energia viril dos personagens que se reafirma cena a cena. Frases como “Você é treinado, acha tudo normal” ou “Você é um covarde”, ditas a Donato por Konrad, com seu português arranhado (faltam legendas para ele), em alguns dos poucos diálogos do filme, são chaves para pensar a masculinidade que o cineasta procura evidenciar. 

A dureza e a virilidade, contudo, andam ao lado da fragilidade. Seu herói também se “parte ao meio”, se nutre do medo para se libertar e do deslocamento para se achar. A perspectiva é masculina, mas sem autoafirmações, porque o mais importante aqui é a perspectiva humana. Este é um filme de arte que flerta com o cinema europeu e não faz feio nessa paquera.

Há pouco verbo, mas sobram olhares e corpos que dizem tudo. Existe mais silêncio, no entanto as palavras não fazem falta. O não-dito dá densidade à ficção, em meio aos barulhos de moto e à paisagem cinzenta da Alemanha, onde se passa a maior parte de Praia do Futuro. Este é um filme sobre as fronteiras e os (des)caminhos da existência.

A praia mesmo ficou no passado, junto à vida familiar e profissional de Donato. Mas a vida vai cobrar dele do outro lado do oceano. É aí que entra em cena o terceiro elemento masculino: o jovem Jesuíta Barbosa, que vem despontando por suas atuações no cinema (Tatuagem; Serra Pelada) e na TV (Amores roubados). Ele é Ayrton, o irmão do salva-vidas que vai à sua procura na Alemanha, onde Donato, assim como todos nós, busca um lugar para ser. Reside aí o grande ponto deste longa onde homens também choram. E continuam sendo homens por isso mesmo.

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