Fotografias, cartas, objetos antigos e vídeos caseiros são as ferramentas de trabalho de Vicente (Lázaro Ramos, muito bom), o personagem principal de O vendedor de passados, que estreia nesta quinta-feira (21/5) no Recife e em várias capitais brasileiras. Há cerca de duas semanas, Lázaro ganhou um merecido Calunga de Melhor Ator no Cine PE pela interpretação desse homem, ainda jovem, que tem a vida marcada por um trabalho inusitado e uma certa misantropia.
A trama do filme foi inspirada no livro homônimo do escritor angolano José Eduardo Agualusa. A pedido do diretor Lula Buarque de Hollanda, a roteirista Isabel Muniz adaptou a história, originalmente transcorrida em Angola após a libertação de Portugal, para o Rio de Janeiro dos dias de hoje. O trabalho de Vicente é criar passados para clientes descontentes com suas histórias pregressas.
Para isso, ele cata antiguidades em feiras, visita colecionadores (ótima participação de Ruth de Souza) e faz pesquisas na internet para montar álbuns de fotografias e vídeos sobre as falsas vidas passadas de seus clientes. Um deles é Ernâni (Anderson Muller), um ex-obeso que tenta recuperar o tempo perdido depois de uma cirurgia bariátrica. Agora magro e ainda rico, ele quer uma namorada do passado para impressionar alguma mulher que se interesse por ele e seu dinheiro atual.
Esse personagem e o seu médico, Jairo (Odilon Wagner), amigo de Vicente e de seus pais adotivos, são apresentados rapidamente para a entrada em cena de uma nova cliente. Esfingética e distante, a moça diz para Vicente que ele não saberá nem o nome dela e que seu passado tem que ter uma morte violenta. Impressionado por sua beleza, ele a chama Clara (Alinne Moraes, bela como sempre) e cria um passado romanesco para ela como vítima dos porões da ditadura argentina.
Depois de entregar o trabalho para Clara, Vicente se vê impelido a reconstruir o próprio passado, cascavilhando um arquivo de fitas com reportagens do pai (Marcelo Escorel) e forçando a mãe, a psicóloga Sônia (Débora Olivieri), a revelar a origem do seu nascimento. Essa crise acontece simultaneamente ao ressurgimento de Clara, agora transmutada em escritora. Em mais de uma cena, Lázaro Ramos mostra porque é um dos melhores de sua geração.
Essa trama engenhosa como um velho pergaminho e ilustrada barrocamente por uma direção de arte faustosa, a cargo de Zé Luca, permitem que Lula Buarque de Hollanda se mova com desenvoltura, dando ao filme um peso dramático que não soterra a ironia que perpassa o perfil do personagem principal. Mesmo que a direção não seja das mais criativas e a trilha de Plínio Profeta por demais repetitiva, O vendedor de passados é um filme que se assiste com prazer. Produzido com apuro pelo Conspiração – custou R$ 6,8 milhões –, o filme tenta conquistar um espectador arredio a um cinema mais artístico e que só tem olhos para comédias esquecíveis. Apesar de não ser nenhuma obra-prima, trata-se de uma obra digna.