Não são poucos os teóricos que afirmam: o cinema é uma arte do tempo e do espaço. E quando o tema de um filme é a rememoração do passado, não há meio mais apropriado que o cinema para evocar o que ficou para trás. Do sueco Ingmar Bergman ao italiano Federico Fellini, do francês François Truffaut ao brasileiro Edgard Navarro, o “eu me lembro” é uma narrativa fascinante, em que recordações doces e amargas ganham novas interpretações.
“Eu me lembro” – como o “Amarcord”, a que Fellini se referia no filme sobre sua adolescência – é uma frase que se ouve repetidas vezes em Três Lembranças da Minha Juventude, o mais novo filme do francês Arnaud Desplechin, que estreia nesta quinta-feira (26/11) no Cine Rosa e Silva. Mas, ao contrário dos exemplos dos cineastas supracitados, Desplechin recria o passado de um personagem de um filme dirigido por ele.
Como o cinema também é a arte da invenção – para muita gente, arte da mentira –, Desplechin mistura algumas de suas lembranças para rever os primeiros anos da vida de Paul Dédalus (Mathieu Amalric), o personagem principal de Como Briguei (por Minha Vida Sexual), de 1996. Neste épico da intimidade, com cerca de três horas de duração, Dédalus, aos 29 anos, é um professor universitário que se envolve com várias mulheres, enquanto não se resolve com a eterna namorada Esther (Emmanuelle Devos).
A primeira lembrança de Dédalus diz respeito à fase mais dolorosa de sua vida, quando, adolescente, não consegue conviver com a mãe doente. Os resquícios do relacionamento vão perdurar por muitos anos, já que o pai dele (Olivier Rebourdin) jamais irá se recompor da falta da mulher. Já adolescente, Dédalus (agora interpretado por Quentin Dolmaire), tem suas primeiras simpatias políticas quando faz uma viagem à União Soviética.
Essas lembranças, um tanto ligeiras, diga-se, parece mesmo um entreato para o encontro entre Dédalus, agora com 19 anos, e Esther (Lou Roy-Lecollinet), uma menina da sua cidade que ele reencontra quando volta de Paris, onde estuda. Quase dois terços de As Três Lembranças de Minha Juventude contam a história de amor entre o jovem estudante de antropologia e sua namorada adolescente.
Mais à vontade para detalhar a forte e conturbada paixão entre os jovens amantes, Desplechin chega ao âmago do seu filme com segurança e muita delicadeza. A inventividade da narração e a interpretação vigorosa de Quentin Dolmaire e Lou Roy-Lecollinet, que se entregam muito aos personagens, são dignas da melhor tradição romântica-realista do cinema francês. O filme é lindo e François Truffaut aprovaria, com certeza.
Leia a crítica completa na edição desta quinta-feira (26/11) no Caderno C, do Jornal do Commercio.