“Não há nada tão profundamente, tão extensamente imperfeito quanto as leis: nem tão frequentemente”, escreveu Virgínia Woolf, ecoando Montaigne em ensaio sobre ele. A escritora britânica nasceu quase um século após a eclosão do movimento sufragista, no Reino Unido. A frase que abre este texto endossa o discurso do filme que estreia hoje, As Sufragistas, sobre o movimento em defesa do voto feminino, mas que vai além.
Do pouco que foi dito em cena, “se eles querem-nos a respeitar a lei, eles precisam para fazer a lei respeitável” talvez seja a frase mais afiada de Emmeline Pankhurst, personagem coadjuvante – de primeira grandeza, entretanto – vivida por Meryl Streep que, se muito, passa uns dez minutos em cena. Foi, aliás, Meryl – vencedora de 3 Oscars, e indicada 19 vezes – quem mais vibrou este com o discurso de Patrícia Arquette, atriz vencedora do Oscar 2015. A veterana chegou até a virar meme devido a sua empolgação com a seguinte afirmativa de Arquette: “É a nossa vez de ter direitos salariais iguais, de uma vez por todas, para as mulheres nos Estados Unidos da América.” Mas no trailer de As Sufragistas a veterana se abstém de se dizer feminista: “Eu sou uma humanista. Sou a favor de um bom e simples equilíbrio”.
No entanto, ao invés de uma versada militante como Emmeline, no filme de Sarah Gavron, é a comum lavadeira e dona de casa Maud Watts (protagonista vivida por Carey Mulligan, de O Grande Gatsby) quem emerge no ativismo e transita pelo ambiente desigual e arisco às mulheres vivido nos tempos da Revolução Industrial. Foi nessa época que começaram a ocupar os postos de trabalho; quando passaram a se dividir entre os papéis da maternidade e da vida profissional. Além dos baixos salários – especialmente se comparado a remuneração masculina – as condições humanas eram precárias para as mulheres, passando inclusive por assédio sexual do patrão, o inspetor Arthur Steed (Brendan Gleeson).
Maud não tinha formação política; mesmo assim, começou a militância feminista aos 24 anos, quando o acaso fez com que ela depusesse ao parlamento inglês sobre sua jornada escravagista numa lavanderia, mesmo local de trabalho do seu marido. “Meio período, quando eu tinha 7 anos, horário integral, quando fiz 12”, depôs. A força de Maud consiste em sua trajetória de vida: de oprimida, resiliente, ela adota o movimento sufragista depois que sai da prisão, onde foi torturada. Uma de suas companheiras de militância, Edith Ellyn, é vivida por Helena Bonham Carter (Alice no Pais das Maravilhas e Clube da Luta).
O roteiro foi escrito por mais uma mulher, Abi Morgan – também roteirista de A Dama de Ferro, que rendeu a Meryl o seu último Oscar, na pele de Margaret Thatcher. Abi constatou, durante a pesquisa do filme, que, embora históricas, as questões colocadas ainda estão em voga. Segundo ela, não havia se dado conta de “como as vozes dessas mulheres eram contemporâneas e o quanto essas questões eram vivas e relevantes.”
“Prefiro ser rebelde do que escrava” é outra frase de efeito do filme; porque a questão levantada no longa não é somente os votos, mas a desigualdade que amputava – e ainda amputa – as mulheres na sociedade.