Ninguém duvida que a categoria de Melhor Filme Estrangeiro é a mais disputada do Oscar. Este ano, 81 países inscreveram suas produções na vã esperança de concorrer à cobiçada estatueta. O Brasil, apesar da torcida a favor de Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, ficou mais uma vez de fora. Entre os cinco indicados, a América Latina, que anda bem nos festivais internacionais, conseguiu emplacar o longa-metragem colombiano O Abraço da Serpente, que está em cartaz no Cinema São Luiz.
Independente de ganhar o Oscar ou não, na cerimônia do dia 29, O Abraço da Serpente já é um filme vitorioso. Afinal, esta é a primeira vez que a Colômbia é representada na maior festa do cinema mundial. E o que este quarto longa do talentoso diretor Ciro Guerra coloca em questão, por si só, é um recado – tanto para os Estados Unidos quanto para os países europeus – da sanha capitalista com que eles trataram a selva amazônica e sua população indígena.
Ciro Guerra recorreu aos diários de dois estrangeiros – o etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg e biólogo americano Richard Evans Schultes – para mostrar como eles se embrenharam na Amazônia colombiana em busca da Yakruna, uma planta sagrada, que teria a capacidade de ensiná-los a sonhar. No entanto, Guerra não faz dos dois estrangeiros os personagens principais do seu filme.
Eles são, ao contrário, as nêmesis do xamã Karamatake, que se confronta com os estrangeiros em duas épocas: no início do século, ainda jovem e valoroso, ele guia o alemão Theo (Jan Bijvoet), que é levado doente até ele; 40 anos depois, já velho e esquecido, ele refaz o percurso em busca da Yakruna, agora acompanhando o americano Evan (Brionne Davis).
Karamatake, o último descendente de sua tribo, é interpretado por dois atores colombianos: Nilbio Torres, enquanto jovem, e Antônio Bolívar, já idoso. Com incrível habilidade, Ciro Guerra conduz essa dupla jornada – as duas narrativas se misturam, como se passado, presente e futuro fossem uma única coisa - com um rigor cinematográfico pouco visto. Filmado em preto e branco, no formato cinemascope, O Abraço da Serpente é um filme em que mistério, identidade e conhecimento seguem inseparáveis, como o caudaloso rio que os personagens não param de subir e descer.
Conhecedor da cosmogonia dos povos indígenas, Ciro Guerra faz do seu filme um laboratório de sensações quase alucinógenas. O som da selva, sua mistura de milhões de insetos, pássaros e água corrente, nos levam para dentro da selva e da alma de Karamatake. Embora o filme não seja dos mais fáceis, o espectador que se deixar absorver será agraciado por momentos luminosos, graças à inteligência de um cineasta que tem o mesmo nível de consciência cósmica que Werner Herzog, Andrei Tarkovski e Terrence Malick.
Leia a crítica completa na edição deste sábado (20/2) no Caderno C, do Jornal do Commercio.