Crise constitucional, corrupção política, caos generalizado, confrontos entre a esquerda e a direita nas ruas e acusações de golpes de estado. Tudo o que acontece no Brasil de hoje, de uma maneira ou de outra, já foi visto – ou está em andamento – nas telas dos cinemas e da TV. Seja por meio de tramas eivadas de humor, drama e suspense, as imagens em movimento registram a história política do mundo – suas crises, suas tragédias – desde que, ingenuamente, os irmãos Lumière apontaram uma câmera virginal para um grupo de operários saindo de uma fábrica.
Desde então, nunca mais as câmeras deixaram de acompanhar o mundo em ebulição. Ainda balbuciando um vocabulário primário, o cinema já registrava as aparições do presidente americano Theodore Roosevelt e os passeios do Arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria-Hungria, poucos dias antes do seu assassinato em Sarajevo, em junho de 1914. Já amadurecendo como linguagem, o cinema soviético, nos primeiros anos após a Revolução de Outubro de 1917, definitivamente elegeu o cinema como um instrumento político, a partir dos filmes de Sergei Eisenstein, como os clássicos A Greve, O Encouraçado Potemkin e Outubro.
O cinema de Eisenstein, que trouxe a política para os filmes não só na temática, como também na forma, foi a principal influência do cineasta brasileiro Glauber Rocha, especialmente na realização de Terra em Transe, o complexo longa-metragem em que o cineasta baiano encena uma crise constitucional na fictícia república de Eldorado, um clone do Brasil, com suas facções populistas e de direita se digladiando pelo poder. Poeta da imagem, Glauber escolheu o jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), dividido entre a poesia e o jornalismo, para representar o seu desnorteamento diante da ditadura militar, que, em 1967, se preparava para levar o Brasil ao período mais negro de sua história.
O cinema americano, que teve sempre uma orientação para a diversão, vez por outra abriu os olhos para a realidade política do país. O maior exemplo é o longa-metragem Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, realizado em 1976, que reconstituiu a investigação dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, sobre o caso do Watergate, responsável pela renúncia do presidente Richard Nixon dois anos antes. O juiz Sergio Moro, que comanda a Lava Jato, citou o caso Watergate para justificar as gravações telefônicas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, na última quarta-feira, como medida para impedir a posse do ex-presidente como ministro da Casa Civil. Mas, pelo visto, o juiz deve ter esquecido que o grampo do Watergate foi do presidente Nixon e não da justiça americana.
Ao contrário do cinema, é na TV americana – aberta, a cabo e, mais recentemente, pelo serviço de streaming Netflix – que as ficções políticas têm encontrado terreno fértil para as mais variadas versões do espectro político dos EUA. Em séries como House of Cards, Scandal e The West Wing - Nos Bastidores da Casa Branca, telespectadores de todo o mundo testemunham as maquinações dos políticos para permanecerem ou conquistarem o poder. Em House of Cards, por exemplo, a raposa política Frank Underwood, vivido com maestria por Kevin Spacey, maquina as mais vis situações para conquistar um lugar em Washington.
Faces da Crise Política
Cinema
Terra em Transe, de Glauber Rocha (Brasil, 1968)
Na república fictícia de Eldorado, um jornalista se envolve numa disputa pelo poder dividido entre um político populista e um senador de direita que sonha em ser imperador do país.
Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula (EUA, 1976)
Baseado em fatos reais, o filme segue a investigação de dois jornalistas do Washington Post sobre denúncias de espionagem e lavagem de dinheiro do Partido Republicana, que levaram o presidente Nixon a renunciar
Mera Coincidência, de Barry Levinson (EUA, 1997)
Um presidente americano, prester a ser reeleito, se envolve num escândalo sexual. Para evitar o pior, um assessor, com a ajuda de um produtor de cinema, inventa uma guerra na Albânia para desviar a atenção pública.
O Candidato Honesto, de Roberto Santucci (Brasil, 2014)
Em plena campanha a um cargo público, um político corrupto é vítima de uma mandinga e passa a falar a verdade, causando problemas para ele e seus correligionários.
Os Herdeiros, de Carlos Diegues (Brasil, 1970)
Complexa alegoria política da sociedade brasileira, centrada na história de uma famíia apegada ao poder que começa em 1930 e vai até o começo dos anos 1970, durante a Ditadura Militar.
Noite Negra, de Alan Tasma (França, 2005)
Vários personagens contam suas experiências da noite do dia 16 de outubro de 1961, quando franceses e argelinos participararma de um banho de sangue em Paris durante manifestações que prenunciaram a independência da Argélia.
Estado de Sítio, de Costa-Gavras (França, 1972)
Crônica política em ritmo de thriller sobre o sequentro de um agente do FBI pelo Tupamaros, um grupo de extrema-esquerda do Uruguai, que o acusava de instrumentalizar a tortura nos governos militares da América Latina.
TV
House of Cards, criada por Beau Willimon (EUA, 2013)
Série de maior sucesso da Netflix, atualmente na quarta temporada, acompanha o protagonista Francis “Frank” Underwood, um ambicioso político que deseja a todo custo uma cargo público na Casa Branca.
The West Wing - Nos Bastidores da Casa Branca, criada por Aaron Sorkin (EUA, 1999-2005)
Premiada série sobre as batalhas políticas de um presidente americano, o democra Jed Bartlet (Martin Sheen), de sua eleição à Chegada na Casa Branca.
Veep, criada por Armando Iannucci (EUA, 2012)
A um mês de estrear sua quarta temporada, a série é quase uma versão cômica de House of Cards, a partir da experiência de uma ex-senadora que assume a vice-presidência dos Estados Unidos.
Scandal, criada por Shonda Rhimes (EUA, 2012)
Em sua quinta temporada, a série mostra como uma ex-consultora de mídia do presidente americano, que também é seu amante, expande seus serviços quando abre uma empresa de gestão de crises.
Agosto, adaptada da obra de Rubem Fonseca (Brasil, 1993)
Minissérie da TV Globo que narra os acontecimentos políticos durante a crise do governo de Getúlio Vargas, do atentado na Rua Tolneeros ao suicídio do presidente, em agosto de 1954.