Diante do boato de que o cargo de coodernador de programação dos Cinemas da Fundação e do Museu do cineasta Kleber Mendonça Filho estava ameaçado, vários nomes do meio cultural ressaltaram a importância do trabalho desenvolvido pelo diretor pernambucano. Mais cedo, a exoneração de Kleber foi desmentida pelo Ministério da Educação (MEC).
Aclamado no Festival Cannes com o filme Aquarius, Kleber teve grande repercussão no evento também pelo protesto feito contra o governo de Temer, chamando o processo de impeachment de Dilma Rousseff de golpe. Pessoas que discordam dele ameaçaram boicotar o filme e criticaram o fato dele ocupar um cargo comissionado na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
Em Cannes, Kleber disse ao JC que não estava completamente ciente dos rumores. “Meu trabalho é público e notório há 18 anos no Cinema da Fundação. A cidade do Recife inteira conhece o meu trabalho. Por sorte minha, os meus filmes também são conhecidos no Brasil e no mundo inteiro. Eles são um exemplo de investimento de dinheiro público e de resultado na tela e na cultura. Então, é um trabalho, por sorte minha, que tem como ser julgado pelo próprio público por sua existência e qualidade”, comentou o diretor.
Confira alguns depoimentos sobre o trabalho de Kleber Mendonça Filho na Fundação Joaquim Nabuco:
Sonia Braga - Atriz
A que ponto chegamos. Essa situação vem desde três anos atrás, quando a polícia estava atirando no olho dos fotógrafos. Meu sobrinho levou um tiro de bala de borracha no rosto e outro na virilha. Tem a foto dele sendo atacado no chão por um cachorro da polícia. O que eu que está acontecendo no Brasil só posso pensar que é premeditado, com as pessoas que estão desenvolvendo a cultura e se envolvendo com as questões sociais e a política, como Kleber, à frente do Cinema da Fundação. Remover Kleber é uma coisa inadmissível. Eu faço uma pergunta: se faz isso numa democracia? Se uma pessoa omite uma opinião ela tem que ser removida de um cargo importante para o desenvolvimento cultural, social e político daquele lugar?
Vânia Catani – Produtora (O Palhaço, Outras Estórias, País do Desejo)
Não sou amiga pessoal de Kleber. Nunca fui na sua casa, nem ele na minha, ainda. O que nos une é o cinema, mais precisamente o Bom Cinema. Como admiradora de seu trabalho como realizador e curador me sinto muito à vontade para me juntar ao coro que, infelizmente, precisamos defendê-lo da ira surda dos ignorantes. Conheci Kleber uns anos atrás aqui em Cannes, por casualidade, neste mesmo Cannes que hoje o aplaude pelo seu belíssimo, competentíssimo e inspiradíssimo Aquarius. Conheci seus curtas um pouco antes. Seus muitos e excepcionais curtas que já sinalizavam a gestação do esperado Autor que nosso cinema brasileiro tanto desejou. Com disciplina e muita inteligência, Kleber carpiu por anos seu primeiro longa, o sensacional e aplaudido O Som ao Redor. Filme que vi com muito interesse no Festival do Rio e de onde saí reconfortada. Gosto muito das pessoas do cinema, mas gosto mais ainda do próprio cinema e quando vejo um filme muito bom simplesmente passo a amar quem o dirigiu. Amo Kleber porque amo o Cinema e os dois são uma coisa só.
Eduardo Valente – Cineasta e Assessor Internacional da Ancine (Agência Nacional de Cinema)
Kleber Mendonça Filho é um ótimo cineasta, isso eu não tenho dúvida e o mundo hoje já sabe. O mundo não sabe é que Kleber foi um revolucionário não por isso, ou muito antes dele se tornar isso, mas sim pelo trabalho que fez na Fundaj, onde existe hoje não apenas um cinema bem programado e equipado (o que não seria pouco), mas um respeito, um amor e uma comunidade em torno do ato de ir ao cinema que nunca existiu ali (e que hoje repercute com mais um cinema aberto na cidade, com trabalho conjunto com o Dragão do Mar em Fortaleza, com o São Luiz funcionando a pleno vapor, com o Janela de Cinema - também reconhecido mundialmente). Por isso tudo, atacar o funcionário público Kleber Mendonça não é estúpido porque é apenas baixo e sem nexo. É porque ele, com um ínfimo salário (como se sabe agora publicamente) é o maior exemplo de alguém assumindo uma missão pública e através dela MUDANDO TODA A REALIDADE em que se inseriu. Mas é isso mesmo, né, não é por acaso: é com esse tipo de atuação pública que se quer acabar, ou criminalizar. Um Estado mínimo, e se possível só com funcionários incapazes de qualquer coisa que não o mais banal "fazer a máquina andar" – mesmo que pra trás.