A coincidência não poderia ser mais infeliz, mas o longa-metragem Agnus Dei, que passa nesta quarta-feira (15/6) no Moviemax Rosa e Silva, às 16h30, e no Cinema São Luiz, às 17h30, talvez seja o mais atual da programação do Festival Varilux, embora sua história tenha acontecido há mais de 70 anos. É que o estupro coletivo da adolescente carioca, que foi violentada por 33 homens, no final do mês passado, reverbera no caso das freiras polonesas grávidas do filme, dirigido por Anne Fontaine.
Agnus Dei se desenrola numa cidadezinha polonesa e mostra o trabalho do exército francês e da Cruz Vermelha no tratamento de vítimas da Segunda Guerra Mundial. Uma das personagens é a jovem médica Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge), que, entre uma cirurgia e outra, recebe uma freira que lhe pede para ir a um convento, onde uma irmã estaria passando mal. Contra a vontade dos superiores, Mathilde vai ao convento e descobre que uma noviça está em trabalho de parto. Aos poucos, descobre que dezenas de freiras foram estupradas por soldados soviéticos e muitas estão grávidas.
A atriz Lou de Laâge, 25 anos, esteve no Rio, na semana passada, na comitiva de convidados do Festival Varilux. Ela disse que, para ela, Agnus Dei se posiciona como um filme que toca a homens e mulheres ao mesmo tempo. “Não se trata de ser mulher, mas de ser humano. Por isso, o filme é atemporal. Os estupros sempre existiram e, provavelmente, vão continuar existindo, então é importante falar sobre isso para fazer com que os homens se tornem melhores. O que eu gostei do filme é que ele não fala só do estupro, mas de como uma pessoa se reconstrói depois de uma violência desse tipo”, explicou.
Nascida em Bordeaux e formada em teatro pela Escola Claude Mathieu, em Paris, Lou disse que foi uma das últimas pessoas a ser convidada para o filme, que foi rodado numa cidadezinha polonesa coberta de neve. Antes de viajar, porém, ela ainda teve tempo de conversar com médicos, parteiras e religiosas. “O filme trata do estupro de mulheres que haviam abandonado a ideia de serem mães. Quando falei com as freiras, eles me falaram que uma das coisas mais complicadas quando aceitam entrar para uma ordem religiosa é renunciar à maternidade. Essas freiras, além do estupro, se defrontam com uma situação que já tinha sido de sofrimento, que foi a renúncia à maternidade. De repente, elas precisam encarar o fato de serem mães”, relembrou.
De acordo com Lou, Mathilde realmente existiu e morreu em 1946, um ano depois do encontro com as freiras, vítima de um acidente de caminhão. Um sobrinho encontrou o diário de trabalho dela e passou para um dos produtores do filme. Ela era totalmente desconhecida. “Há muitas coisas que me levam a fazer um filme. Aqui, a primeira foi o meu interesse em trabalhar com Anne Fontaine. As atrizes polonesas, por exemplo, já haviam participado do filme Ida. Como eu já as tinha visto trabalhando juntos, tinha essa vontade de participar do filme e de fazer o papel dessa mulher que se transformou numa espécie de heroína das sombras, como aquelas personagens que foram importantes e ninguém sabe”, reforçou.
Durante uma viagem noturna ao posto da Cruz Vermelha, a médica sofre uma tentativa de estupro por soldados soviéticos. No entanto, Lou acredita, assim como Anne Fontaine, que o filme, embora aponte os culpados, não procura fazer julgamentos raivosos. “Ela não queria que fosse um filme acusador, nem mesmo para a madre superiora, que age mal em nome da fé. Agnus Dei foi exibido no Vaticano. Numa nota, agradeceram a Anne e disseram que o filme era terapêutico para a igreja. Nunca tínhamos pensado nisso”, disse, surpreendida.