A nova versão do filme Caça-Fantasmas com protagonistas exclusivamente femininas estreia apenas em julho, mas já provocou uma forte reação na internet e voltou a jogar foco sobre o problema da discriminação em Hollywood.
O primeiro trailer do filme se tornou o vídeo mais criticado da história do YouTube, com 900.000 'dislikes', ao mesmo tempo que o diretor do longa-metragem, Paul Feig, e o elenco receberam ameaças de morte e comentários misóginos nas redes sociais. "Este lixo foi feito apenas para agradar as feminazis", escreveu um internauta no Twitter, em um dos comentários típicos da chuva de insultos contra as pessoas relacionadas ao filme.
Feig, que ganhou fama ao dirigir atrizes em sucessos como Missão Madrinha de Casamento e A Espiã Que Sabia de Menos, foi o responsável por selecionar Kate McKinnon, Melissa McCarthy, Leslie Jones e Kristen Wiig como protagonistas da nova versão do filme, que chega aos cinemas 32 anos depois do original, que era estrelado apenas por homens.
"Ouvi os piores insultos misóginos nos últimos dois anos", contou o diretor em uma conferência de produtores na sede da Sony Pictures, na Califórnia. "O ataque que recebemos tem sido muito assustador", comentou. O blog Woman and Hollywood registrou uma reação similar depois que os produtores do filme mais recente da saga Star Wars anunciaram protagonistas femininas, após seis longas-metragens com homens nos papéis principais.
"Lutamos todos os dias para combater o preconceito. A imprensa ainda chama de 'filme rosa'", disse o cineasta, antes de lamentar o fato de que a produção nunca é citada sem a informação de que se trata de uma versão de Caça-Fantasmas "exclusivamente feminina". "Nunca citariam Os Mercenários como um filme apenas de homens. É uma luta difícil que não acredito que ainda temos que travar em 2016", completou.
"Um mundo masculino"
A reação contra Caça-Fantasmas demonstra como está arraigada a ideia de que filmes de grande orçamento são um "mundo masculino", destaca Martha Lauzen, do Centro de Estudos das Mulheres na Televisão e Cinema, da Universidade Estadual de San Diego. "Tradicionalmente apresentaram homens como protagonistas, produzidos por homens, pensando em um público de homens jovens", explica. "Além disso, a maioria dos críticos que avaliam estes filmes é de homens", completa. "Fazer uma nova versão de um destes filmes com um elenco majoritariamente feminino viola o sentimento de que este espaço público pertence a eles".
Apenas 9% dos diretores e 11% dos roteiristas que trabalham nos 250 filmes americanos que mais faturaram na bilheteria em 2015 eram mulheres, segundo um estudo de Lauzen. O efeito colateral da realidade é o menor número de papéis femininos com certa profundidade ou interesse nos filmes.
De 11.306 papéis no cinema e televisão em 2014 analisados pela Faculdade Annenberg de Comunicação e Jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, dois terços eram personagens masculinos, número que se aproximava de 75% em filmes de grande bilheteria.
Mas estes números sugerem que a indústria cinematográfica está cavando a própria cova. Filmes com protagonistas femininas arrecadaram 3,3% a mais que as produções com protagonistas masculinos em 2014, de acordo com Stacey Smith, diretora da Iniciativa de Mudança Social, Diversidade e Meios da faculdade.
Assumir o risco
A atriz australiana Margot Robbie, de 25 anos, está ganhando reputação por escolher papéis que se afastam do clichê da mulher complacentes ou tímida, como a enérgica Naomi Lapaglia em O Lobo de Wall Street (2013) de Martin Scorsese.
"Acredito que as pessoas finalmente estão reconhecendo que metade das vendas de ingressos vem das mulheres", disse a atriz em uma entrevista recente. "E se não criam o tipo de papel com o qual as mulheres podem se identificar, elas não vão aproveitar tanto", completou.
O equivalente a Caça-Fantasmas no cinema independente é o filme The Fits, produção de estreia da diretora Anna Rose Holmer e que foi aclamado nos festivais de Veneza e de Sundance. O longa-metragem é resultado quase exclusivo do trabalho de mulheres, tanto por trás como diante das câmeras, e conta a história de uma menina que treina boxe com o irmão, mas que sonha em ser bailarina.
Holmer, que escreveu o roteiro em parceria com Lisa Kjerulff e Saela Davis, acredita que a discriminação na indústria cinematográfica começou a registrar uma queda. Mas em última análise, afirma, a única maneira de mudar o cenário é "contratar mulheres e investir nas mulheres, assumir o risco de ter mulheres no comando". "É muito simples e é possível", resume.