“Este filme devolveu meu nome, meu rosto e minha identidade como uma pessoa que trabalha em cinema no Brasil. Foi uma operação de resgate. Estive presente como cidadã, mas como atriz foi essa equipe que me deu uma plataforma para eu aparecer e fazer contato novamente. O artista precisa de espaço para mostrar o seu trabalho”, sintetizou Sonia Braga, durante a concorrida coletiva de imprensa do longa-metragem Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, na tarde de ontem, no mesmo hotel do Pina onde a atriz ficou hospedada para as filmagens no Recife, há menos de um ano.
Sonia, moradora de Nova Iorque há 25 anos, está de volta ao Recife para a pré-estreia de Aquarius, no Cinema São Luiz, às 19h30 deste sábado (20/8). Na próxima sexta-feira (26), ela recebe o Prêmio Oscarito, uma distinção reservada aos grandes atores do País pelo Festival de Gramado, por sua carreira no no teatro, na TV e no cinema, em obras Como Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos, A Dama do Lotação, Eu Te Amo, Dancin´Days e O Beijo da Mulher Aranha, entre tantos outros. Seu novo filme será apresentado na abertura do Festival de Gramado. Desde que representou o Brasil no Festival de Cannes deste ano, Aquarius é considerado “o filme do ano no Brasil”.
A partir da sua première mundial na França, o longa vem fazendo carreira internacional e já acumulou vários prêmios. No domingo passado, Sônia Braga ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Lima, no Peru, e Aquarius o prêmio Especial do Júri. Sonia, que completou 66 anos em junho, estava radiante, alegre e bem-humorada na coletiva. Ela mostrou aos repórteres e blogueiros que a crítica de música aposentada Clara, a heroína de Aquarius, que trava uma batalha contra um construtora recifense, tem muito de sua personalidade.
Além dela e de Kleber, participaram da coletiva a produtora Emilie Lesclaux, as atrizes Maeve Jinkings, Paula de Renor, Julia Bernat e Zoraide Coleto, o ator Pedro Queirós e o diretor de arte Juliano Dornelles. Na pré-estreia, ainda vão estar presentes os atores Humberto Carrão, Lula Terra, Fernando Teixeira e Daniel Porpino, entre outros, além de toda a equipe técnica de Aquarius. Os quase mil lugares do São Luiz foram democraticamente divididos entre os convidados do filme e o público. Na terça-feira passada, os 500 ingressos liberados foram vendidos em 40 minutos.
Democracia tem sido a palavra de ordem do cineasta pernambucano desde o protesto contra o impeachment da presidente afastada Dilma Roussef, durante o Festival de Cannes. Ele usou a palavra novamente no artigo Carta Aberta sobre a Comissão Brasileira do Oscar, publicada ontem no jornal Folha de S.Paulo, em que defende o processo democrático da escolha do longa-metragem brasileiro que será submetido à Academia, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
Na carta, Kleber se dirige ao crítico de cinema Marcus Petrucelli – escolhido pela Secretaria do Audiovisual, do Ministério da Cultura, para fazer parte da comissão –, que desde maio calunia o cineasta e a equipe de Aquarius nas redes sociais.
Durante a coletiva, Kleber reiterou, mais uma vez, que Aquarius é um filme político, na medida em que dizer não é um ato político. “Há uma convenção de chamar de cinema político filmes que se passam em prédios do governo, onde decisões são tomadas, como o Congresso Americano. House of Cards seria cinema político, digamos assim. Mas filmes políticos podem ser como Aquarius, em que há o drama da vida diária e um ambiente social facilmente reconhecível. E todas as vezes que você diz não, numa determinada sociedade, isso passa a ser um ato político. É isso o que Clara faz. Ela diz não para um padrão de mercado que trata de imóveis. ‘Isso está velho, vazio e tem que ser derrubado’, mas ela discorda e vai contra isso”, argumentou o cineasta.
Essa visão é aplicada por Kleber em vários momentos do filme. A mais evidente é quando, numa panorâmica que mostra a Bacia do Pina, ele apaga digitalmente as duas torres de 42 andares, construídas pela construtora Moura Dubeux, no Cais de Santa Rita. “O filme é meu e faço o que quero”, disse o cineasta, que desde os curta-metragens Paz a esta Casa e Recife Frio, e do longa O Som ao Redor, é crítico ferrenho das modificações arquitetônicas e urbanas do Recife, promovidas por construtoras.
“O roteiro de Aquarius foi escrito para o Caiçara em 2012, mas ele foi parcialmente demolido em 2013, quando eu já tinha a segunda versão do roteiro. Com isso, eu perdi, e a cidade também, não só uma referência, mas a locação do filme que eu queria fazer. Aí, por causa disso, fui para o último prédio de estilo antigo da Praia de Boa Viagem, que é o Oceania. Lá, fomos muito bem-recebidos por Aronita Rozemblat, profissional da área de saúde, e pela jornalista Flávia de Gusmão, do Jornal do Commercio”, que emprestaram seus apartamentos”, relembrou o cineasta.
A memória foi um dos principais temas da entrevista. Sônia e Kleber trocaram impressões sobre o papel da música na construção da identidade de Clara e em suas histórias pessoais. Canções de Taiguara, Roberto Carlos, Reginaldo Rossi, Gilberto Gil e da banda inglesa Queen, entre vários outros artistas, acompanham a trajetória de Clara. “Música é e sempre foi importante na minha vida. A trilha de Clara é a trilha de Sonia, é como se fosse um encontro. Cada música que entra no filme é uma coisa incrível”, disse Sonia.
“Quando comecei a ganhar discos, ainda criança, em 1978/1979, eu colocava um selo com meu nome, a data e nome do Recife. Adolescente, quando comecei a comprar discos, continuei. E, diferente de várias pessoas, nunca joguei foram meus discos. Para mim, eles são como máquinas do tempo”, definiu Kleber.