Em uma sociedade machista como a nossa, ser mulher é um ato de resistência. O patriarcado está impregnado nas relações sociais, naturalizando sistemas de opressões que permanecem e são perpetuados através das gerações. Evidenciar esses mecanismos de dominação e combatê-los é um esforço contínuo e necessário. Instigada em entender o olhar masculino em relação ao feminino, a cineasta Dea Ferraz idealizou o filme Câmara de Espelhos, que ela lança, nesta quarta-feira (21), em sessão especial hors concours no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Primeiro longa autoral da artista recifense, diretora de Sete Corações (2015) e Alumia (2009), a obra é resultado de uma pesquisa sobre filmes-dispositivo. Ela propôs a criação de uma caixa preta rodeada por espelhos (atrás dos quais estão posicionadas as câmeras) e ambientada como uma sala de estar. A partir de anúncio feito em jornal, que convidava homens adultos dispostos a participarem de um documentário, foi feita uma triagem e separados dois grupos que eram expostos a vídeos com temáticas como casamento, vida doméstica, sexualidade e violência contra a mulher. Provocados por essas imagens, os voluntários se engajavam em conversas que revelavam as violências efetivas e simbólicas sofridas pelas mulheres.
“A ideia do filme nasceu em 2012 de uma inquietação pessoal, porque na época eu não tinha engajamento com o movimento feminista, era só uma mulher que sentia essas opressões e, de repente, comecei a olhar ao redor e me perguntar quem sou eu e que imagem constroem de mim por conta do meu gênero”, conta Dea.
A experiência com o longa foi transformadora para a criadora, que disse ter se chocado mais do que esperava com os comentários que surgiram durante as conversas dos personagens. Ela, no entanto, diz ter tido um cuidado reforçado para não criar nenhum tipo de personificação do machismo naquelas figuras.
“Minha ideia era realmente passar essa ideia do que se ouviria caso eles estivesse em casa, em um bar, entre amigos. Quando terminei as filmagens, fiquei com muita raiva de tudo aquilo que ouvi, porque tive acesso a uma lógica do pensamento masculino que não era escancarada para mim. Por isso precisei até me afastar do material por um tempo. Com o tempo, tive que ressignificar aqueles personagens, porque seria muito prejudicial as pessoas ouvirem os absurdos e acharem que aquilo está distante delas, como se fosse apenas um pensamento retrógrado do outro. E não é. Está impregnado na nossa sociedade”, reforça.
A recepção do filme, segundo a diretora, é muito divergente quando se leva em conta o gênero do espectador. “Percebo que nos homens, a princípio, há um certo desconforto, até uma negação, como se aquilo não dissesse respeito a eles, e depois uma reflexão. Já com as mulheres, sinto que desperta um sentimento forte de engajamento, uma revolta e vontade de ir para as ruas e lutar mais ainda por seus direitos. É como se elas abrissem mais os ouvidos para as violências diárias que nós mulheres sofremos”, reforça.
SORORIDADE
No audiovisual há 15 anos, Dea sente que, desde 2013, com o que alguns chamam de Primavera Feminista, há uma maior articulação das mulheres no sentido de combater a opressão histórica que sofrem. Em Pernambuco, artistas se juntaram para fundar o Mulher no Audiovisual PE, movimento que mostrou que há muitas realizadoras no Estado (atualmente há 18 circulando com filmes pelo País).
“Existe uma invisibilidade do trabalho das mulheres, mas agora percebemos que não estamos só e que precisamos pensar os papéis do feminino na frente e atrás das câmeras”, enfatiza.
