Embora estejam juntos há 35 anos e tenham feito quatro longas, o casal francófono Dominique Abel (belga) e Fiona Gordon (australiana, criada no Canadá) ainda é pouco conhecido do público brasileiro. Rumba, o segundo filme que dirigiram, foi exibido no Brasil em 2009, mas pouca gente lembra. Dom e Fiona, como costumam aparecer nos créditos dos filmes – também atores –, foram os membros da comitiva do Festival Varilux que mais cativaram os jornalistas, na semana passada, quando estiveram no Rio.
Mas essa impressão não foi apenas porque eles são simpáticos e inteligentes. É que Perdidos em Paris, o quarto longa da carreira deles – com sessões hoje, no Moviemax Rosa e Silva 4, às 18h30; amanhã, no Cinema São Luiz, às 20h; e na sexta, no Cinema da Fundação/Museu, às 14h – é um dos mais singelos da edição 2017 do Varilux. Herdeiros da tradição clownesca e burlesca de Charles Chaplin, Buster Keaton, Pierre Étaix e Jacques Tati, o cinema de Dom e Fiona é de uma graciosidade sem par.
Perdidos em Paris é um filme que sonhavam em fazer desde que estudaram teatro na Escola de Jacques Lecoq, na capital francesa. “No final do curso, depois de dois anos de aulas, nem eu nem Dom pensávamos em voltar para nossos países. Olhamos um para o outro e nos perguntamos se não queríamos fazer algo juntos, apesar de não nos conhecermos muito bem. Foi quando descobrimos que havia uma química entre a gente, nos apaixonamos e começamos a fazer teatro e cinema”, conta Fiona.
A figura esguia e um tanto desajeitada de Fiona, que lembra uma caricatura ou mesmo Olívia Palito, por si só já carrega um quê de humor. Fiona, a personagem, é uma bibliotecária que mora no Canadá. No prólogo, ela se despede de Marta, sua tia, que vai morar em Paris. Mais de 30 anos depois, Fiona recebe um carta dela, na qual ela, já idosa, pede que a sobrinha venha visitá-la para impedir que o governo a leve para um asilo.
Já nas primeiras imagens, quando o casal mostra o mundo como uma espécie de armadilha, a ênfase no gestual e na pureza da imagem são evidentes. A chegada de Fiona em Paris e a maneira como ela perde uma mala, que cai no Sena –, e que é resgatada pelo vagabundo Dom –, inicia uma série de acasos que faz do filme uma pequena caixa de surpresas.
Se em pouco o tempo o espectador é fisgado pelo humor ingênuo dos personagens, nem por isso Dom e Fiona deixam de fazer um filme de grande riqueza narrativa. Em alguns momentos, eles retomam uma cena já vista voltando um pouco no tempo, dando a ela um novo sentido e fazendo com que o espectador participe ativamente da história.
EMMANUELLE RIVA
Dom explica porque resolveu mexer no andamento temporal do filme: “Nós começamos a escrever a história numa narrativa muito tradicional, mas sentimos que as cenas pulavam de um personagem para o outro, com muitas elipses. Daí, resolvemos dividir a história em três capítulos, o que acabou ajudando a acompanhar melhor os personagens e até a aumentar o humor. Por exemplo, na cena da escada, quando Marta abraça um homem, você só vai entender quando a cena reaparece”, esclareceu Dom.
Apesar de bons atores, Dom e Fiona tiraram a sorte grande quando convidaram a veterana Emmanuelle Riva para interpretar Marta. A inesquecível atriz de Hiroshima Meu Amor, que morreu em janeiro desse ano, faz aqui a sua última grande aparição no cinema.
De cabelo curto e muito ativa, aos 88 anos, Emanuelle parece se divertir como um palhaço num picadeiro. “Não tínhamos ideia de que Emmanuelle tinha esse lado até assistirmos um vídeo feito para promover Amor, de Michael Haneke, no qual ela concorreu ao Oscar de Melhor Atriz. Ela imitava Chaplin, usando um capa de plástico com o S de Superman. Emmanuelle dizia que tinha 14 anos, mas o corpo dela, de 88 anos, não entendia”, relembra Dom.
O repórter viajou a convite da organização do Festival Varilux.