CINEMA

Documentário de Marcelo Pedroso causa polêmica no Festival de Brasília

Por Trás das Linhas de Escudos, em que o cineasta pernambucano se infiltra no Batalhão de Choque da PM, dividiu opiniões

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 23/09/2017 às 10:42
Símio Filmes/Divulgação
Por Trás das Linhas de Escudos, em que o cineasta pernambucano se infiltra no Batalhão de Choque da PM, dividiu opiniões - FOTO: Símio Filmes/Divulgação
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Quem alguma vez já falou com o jornalista e cineasta pernambucano Marcelo Pedroso, 38 anos, sabe o quanto ele é inteligente, educado, calmo e atencioso. Esse lado doce, afetuoso e meigo de Marcelo, entretanto, contrasta com seu ativismo político e cinematográfico, já moldado numa série de curtas e longas-metragens que tem mexido com engrenagens e estruturas de poder. Em 2013, no curta Em Trânsito, um sem-teto cortava a cabeça de um manequim de papel com a imagem do falecido governador Eduardo Campos, numa crítica à sua atividade política desenvolvimentista. Um ano antes, em Câmara Escura, o próprio Marcelo já havia enervado moradores de classe-média do Recife com um disposititivo estranho deixado nas portas de suas casas.

Com o seu novo longa-metragem, Por Trás das Linhas de Escudos, que foi exibido na noite de quinta-feira (21/9) no Festival de Brasília, Marcelo faz um novo movimento em sua carreira, mais arriscado que qualquer outro dos seus filmes anteriores. Cineasta de esquerda, que lutou contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e esteve na vanguarda do Movimento Ocupe Estelita, ele resolveu conhecer de perto a maior força coercitiva da sociedade em que vivemos: a Polícia Militar, por meio do Batalhão de Choque, o grupo de elite que enfrenta manifestações de rua, sejam elas politicas ou não, de uma briga entre torcidas de clubes de futebol a protestos do MST, Sem Tetos, Ocupe Estelita, etc.

Assim como em Câmara Escura, Marcelo e toda a equipe de Por Trás das Linhas de Escudos estão presentes no filme, lado a lado com soldados e oficiais do Batalhão de Choque. A partir de um acordo com o comandante do Batalhão, o cineasta e os técnicos acompanham a dinâmica dos soldados, com seus treinamentos, ações fora do quartel, momentos de lazer e conversas formais e informais. Como uma equipe jornalística, mas sem fazer questionamentos, o grupo participa até de treinamentos em que enfrentam sessões de gás lacrimogêneo. Em outros momentos, assistem a jogos de peteca entre os policiais. Numa pausa mais reflexiva, depois de uma sessão de tiros, Marcelo se vê diante de uma série de escudos, onde o reflexo do seus olhar leva a entender o seu estado de espírito naquela situação, em que tenta essa relação entre seu lugar e o da PM.

CRÍTICAS

Diante de tanta ambiguidade, o filme dá margens para análises variadas, dependendo da situação ou da história pessoal de cada espectador. Para Marcelo, que teve de se explicar durante vários minutos no debate com realizadores, jornalistas e alguns espectadores, na manhã de ontem, o filme instaura um gesto. “Um gesto consciente de seus riscos, mas que instala insegurança em mim também, tenho minhas dúvidas sobre ele e uma compreensão, intuitiva talvez, que me faz acreditar nele”, disse assim que começou a conversa, que se desenrolou tensa, com participantes chamando-o de irresponsável por realizar o filme, além de ser cobrado em vários por realizadores da periferia de São Paulo, principalmente negros.

Como em Brasil S/A, seu último longa, que ganhou três Candangos no Festival de Brasília, há três anos, Marcelo constrói, paralelamente ao confinamento no quartel, uma metáfora com a bandeira do Brasil. Sem o miolo azul, onde temos as estrelas e a faixa ordem e progresso, o resto da bandeira é queimada por militantes. Esta imagem, disse Marcelo, foi a mais criticada pelos oficiais do Batalhão de Choque que já viram o filme. “Alguns se incomodaram, outros tiveram várias objeções, mas também se sentiram respeitados, mas acho que ele deve voltar a ser visto pelos policiais num quadro de debates. Eu acho que esse filme, dentro da organização da estrutura dele, permite que a gente assista ao filme junto com os policiais e debata. A partir do momento que existe essa possibilidade, acredito que na completude desse gesto de instaurar mudanças ali também”.

O repórter viajou a convite da organização do festival.

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