CINEMA

Filme de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira estreia no Festival do Rio

Açúcar se passa num engenho da Zona da Mata e tem Maeve Jinkings como atriz principal

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 08/10/2017 às 7:19
Aroma Filmes/Divulgação
Açúcar se passa num engenho da Zona da Mata e tem Maeve Jinkings como atriz principal - FOTO: Aroma Filmes/Divulgação
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Depois de dividir a direção dos documentários Praça Walt Disney (curta) e Estradeiros (longa), em 2011, o casal de cineastas Sergio Oliveira e Renata Belo Pinheiro volta a mais uma experiência conjunta: o longa-metragem de ficção Açúcar, que será exibido de segunda (9/10) até quarta-feira na Mostra Competitiva de Longas-Metragens da Première Brasil, no 19º Festival do Rio. Ao lado do Festival de Brasília, a Première Brasil – e seu Troféu Redentor – é um dos espaços mais badalados e cobiçados do cinema brasileiro. O cinema pernambucano tem sido bem recebido por lá, com as vitórias de O Som ao Redor (2012), Sangue Azul (2014) e Boi Neon (2015). No ano passado, o próprio Sergio Oliveira ganhou o prêmio de direção pelo documentário Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos.

Cronologicamente, Açúcar é o terceiro longa-metragem de Renata e o segundo de Sergio, o primeiro dele de ficção. Pela segunda vez, Renata tem a atriz brasiliense, radicada no Recife, Maeve Jinkings, como protagonista de um filme. Em 2013, Maeve foi a estrela, ao lado de Nash Laila, do premiado Amor, Plástico e Barulho, que deu a elas o prêmio conjunto de Melhor Atriz no Festival de Brasília. Em Açúcar, ela interpreta Betânia Wanderley, uma senhora de engenho da Zona da Mata. Na declaração dos diretores, publicada no material de imprensa, eles fizeram questão de esclarecer os propósitos do filme – principalmente em virtude das últimas discussões, como a que aconteceu recentemente no Festival de Brasília com o filme Vazante, de Daniela Thomas –, que tem personagens negros, mas que foi feito por cineastas brancos.

“A escolha de utilizar uma personagem recorrente principalmente na literatura, música e cinema, a senhora de engenho, é poder também recontar a história por um novo viés; apresentando uma situação extrema, talvez até mais real, onde a casa-grande se encontra em plena decadência enquanto ex-trabalhadores já donos de partes das terras estão em ascensão financeira e social. A narrativa do filme constrói imagens carregadas de simbolismo, trilhando um caminho para chegar a uma dicotomia entre a cultura branca versus cultura negra, passado versus presente, realidade versus imaginação. Utilizando um ritmo e um tempo psicológico próprios da personagem conflituosa, o filme se embrenha em um território mágico onde a memória da terra se revela mais forte e transformador do destino de Bethânia”, escreveu o casal.

Ao contrário do modelo de produção usual, em que os filmes nascem depois de arrecadarem dinheiro por meio de editais, leis de incentivo e patrocínios de empresas privadas, Açúcar foi feito com recursos próprios. “A gente fez o filme por uma necessidade muito urgente, porque ele se passa numa região de muito conflito, que tem um passado histórico muito presente até os dias de hoje. Simbólica e imageticamente, a gente tinha um engenho que estava para ruir. Então, a gente percebeu uma urgência em contar um pouco dessa história pelo nosso olhar, antes que aquilo virasse poeira. O projeto nasce dessa motivação, por isso não podia esperar muito tempo. Só depois de concluído é que encontramos parceiros para viabilizar a finalização, através de um edital de coprodução com a Boulevard Filmes, a Sinapse e o Canal Curta”, explica Renata.

Apesar do edital, até agora o dinheiro ainda não chegou na conta da Aroma Filmes, a produtora de Renata e Sergio. “Por meio do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual, o Canal Curta tem acesso a uma grana que eles podem investir em filmes em fase de finalização. Isso foi há um ano, durante o Janela Internacional, quando eles garimparam uns filmes aqui e Açúcar entrou. Mas até agora não recebemos, estamos no prejuízo, mas vai sair”, ressalta Sergio. “Estamos apostando no filme, ele é bem necessário para este momento do Brasil. A gente conta fatos históricos que estão muito presentes”, complementa. “A gente vê que a nossa história está virando ruína, então precisava registrar isso de alguma forma. O engenho caiu depois, no inverno, e depois a gente incorporou ele já em ruínas. Isso também faz parte da narrativa da história”, conta Renata.

ZAMA

Filmado em 2014, Açúcar ficou parado por uns tempos para que o casal se dedicasse a outros projetos. Renata fez o longa Zama, de Lucrécia Martel, na função de diretora de arte. Sergio realizou a pesquisa sonora de Açúcar, em que ele assina o score musical. Este ano, fizeram a série de TV África da Sorte. “Colocamos músicas da pesquisa folclórica de Mario de Andrade pelo Nordeste, de 1932, especificamente em Pernambuco e na Paraíba, onde ele colheu sons de uma maneira muito boa. Além de gravar, outra coisa bacana foi que ele colocou os créditos de todos os cantores, cantoras, pianistas, etc, deu nome a esse povo todo que fazia música naquela época, uma música perdida. Embora se passe nos dias de hoje, o filme parece atemporal, e, de alguma maneira, também antigo, por conta de estar inserido neste sistema econômico já muito secular do Nordeste brasileiro”, reforça o cineasta.

Dona de um consolidada carreira de diretora de arte – além dos inúmeros filmes pernambucanos, é chamada para colaborar com cineastas de todo o País –, Renata teve uma de suas melhores experiências ao trabalhar com Lucrécia Martel, uma das mais importantes cineasta do cinema contemporâneo. Zama também está presente no Festival do Rio. Em 2015, Renata passou uma longa temporada na Argentina, onde o filme teve locações em várias regiões do país. “Foi uma experiência fantástica. Trabalhar com uma diretora que tem um olhar novo, como a Lucrécia, uma grande representante do cinema latino-americano, não teve preço. Zama também dialoga muito com os filmes da Aroma, tanto com Estradeiros quanto com Açúcar, porque Lucrécia busca um personagem que é vítima de uma vontade de ser o que não será nunca, europeu. Ele tem aquele complexo de vira-lata, porque parece que você precisa de títulos para se sentir alguém. Não precisamos de ninguém pra dizer que somos especiais. A gente quer é se voltar para nós mesmos, para o continente latino-americano, valorizar e descobrir porque ainda não nos conhecemos bem”, afirma Renata.

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