CINEMA

Lucrecia Martel e Laurent Cantet dão aulas durante o Janela

Os dois cineastas falaram dos seus filmes, da carreira e do seus métodos de trabalho para uma plateia muito interessada em conhecer os meandros do cinema

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 06/11/2017 às 6:22
Victor Jucá/Divulgação
Os dois cineastas falaram dos seus filmes, da carreira e do seus métodos de trabalho para uma plateia muito interessada em conhecer os meandros do cinema - FOTO: Victor Jucá/Divulgação
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O primeiro fim de semana do Janela Internacional de Cinema teve mil e uma emoções no escurinho do Cinema São Luiz e do Cinema da Fundação/Museu. Desde a tarde de sexta-feira até o domingo, cinéfilos de vários cantos do Brasil tentaram se dividir para acompanhar as sessões dos filmes e outras atividades nos dois principais espaços do festival. No Cinema da Fundação/Museu, muita gente levantou cedo para o programa Aulas de Cinema do Janela, com a realização das masterclasses da cineasta argentina Lucrecia Martel (no sábado, 4/11) e do cineasta francês Laurent Cantet (no domingo, 5/11). Em cerca de duas horas, eles falaram para uma plateia formada por jovens cineastas, atrizes, atores, acadêmicos, críticos, jornalistas e outros interessados em saber mais sobre os meandros da criação cinematográfica.

Tanto Lucrecia Martel quanto Laurent Cantet apresentaram seus últimos longas-metragens no Janela – a argentina ainda está tendo uma retrospectiva dos seus longas-metragens –, o que serviu de combustível às palestras e às intervenções do público. Lucrecia, que desde 2009 não filmava, teve seu último longa-metragem exibido na abertura do festival, na noite da última sexta-feira (4/11), no Cinema São Luiz. Presença luxuosa em festival internacionais recentes – Veneza, Toronto, Nova York e Londres, entre outros –, Zama é uma adaptação muito pessoal de um clássico moderno da literatura argentina, que só foi editado no Brasil meio século depois de publicado, em 2006. O romance é a obra mais importante de Antonio Di Benedetto e é considerado um precursor do que seria rotulado, a partir da década de 1970, como “realismo mágico”. À sua maneira, Lucrecia conta como um funcionário da coroa espanhola entra em parafuso após pedir uma transferência que nunca é atendida.

Durante sua aula, Lucrecia não focou apenas na sua personalíssima tradução imagética de Zama, uma produção que reuniu investidores de 10 países e que custou US4 3,5 milhões – cerca de R$ 11,5 –, mas, principalmente, no seu percurso de cineasta e no que ela entente como cinema. Cativante em sua maneira de explicar ideias complexas com imagens fáceis de compreender, ela disse que, antes de tudo, é preciso saber porque se faz cinema, porque a atividade não será recompensado pelo dinheiro, a não que seja diretor do cinema mainstream americano. Para ela, o segredo é compartilhar. “Para mim, nascemos e morremos sós. Por isso, para entender a experiência da nossa existência, é necessário compartilhar, seja a literatura, o cinema, a música...”, explicou.

Para criar sua voz própria, Lucrecia disse que o diretor precisa “inventar ferramentas”, embora tudo possa não passar de uma “arbitrariedade”. Para exemplificar sua teoria da imersão do espectador quando está vendo um filme, ela levou uma caixa de acrílico. Com as luzes apagadas, ela colou um celular na superfície da caixa e mostrou como a imagem é uma pequena parte do cinema, dando ao som um elemento da mesma importância. “Inventa-se ferramentas assistindo aos filmes, mas também olhando ao redor. Estou apenas um dia no Recife e já entendo a paixão dos cineastas daqui, que fazem filmes sem pensar no cinema mainstream”, confessou a cineasta, que dissertou sobre várias ideias que ela utiliza em seus filmes, como o influente O Pântano, de 2001.

Em Zama, ela destacou as diferenças que percebe sobre o que é uma adaptação literária ao apontar que não se deve confundir o enredo com o filme, separando a historia que se conta do processo de filmar, além de explicar, detalhadamente, seu trabalho com o som, especialmente o foley (edição dos sons de ambientais).

REALIDADE SOCIAL

Na aula de Laurent Cantet, o diretor francês de 55 anos contou com a colaboração do cineasta e idealizador do Janela, Kleber Mendonça Filho, que conduziu a conversa. Para quem assistiu as duas aulas, o mais interessante foi contrapor as diferenças de método entre Lucrecia e Laurent, e como cada um imprime suas personalidades nos seus filmes. Embora menos “viajado” que Lucrecia, Cantet contou à plateia como iniciou a carreira – estudou cinema no Idhec, antigo Femis, a escola estatal que prepara técnicos e cineastas na França – e seu estilo mais reconhecível, a direção de não-atores, sua marca em Entre os Muros da Escola (Palma de Ouro em Cannes, em 2008) e A Trama, seu último longa, exibido na tarde de sábado no Janela.

Neste filme, que trata de um tema atual na França, e no mundo – o clima de intolerância política –, também tem como centro um grupo de jovens. No caso, uma escritora (Marian Foïs) é convidada para trabalhar com rapazes e moças, todos com histórico de violência, para criar uma história em conjunto com eles. Um dos personagens, um rapaz solitário, fica um tanto fascinado pelas ideias de extrema-direita. “Eu não tenho essa certeza, acredito que ele ainda está procurando seu lugar no mundo”, respondeu quando um espectador apontou a característica do estudante.

O trabalho com não-atores rendeu ao cineasta um convite para uma oficina de roteiro na comunidade do Vidigal, no Rio, nesta semana. “Eu li as histórias que eles estão querendo trabalhar e elas me atraíram muito”, comentou Cantet, que foi considerado, no início da carreira, “o cineasta do trabalho”, por causa dos filmes Recursos Humanos e A Agenda. “A crítica sempre tenta colocar você numa caixinha. Minha carreira foi tomando uma trajetória sinuosa e os críticos reclamaram até porque fiz um filme em inglês”, apontou.

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