Ao contrário de todos os festivais, o Janela Internacional de Cinema do Recife tem um jeito muito peculiar de divulgar seus vencedores. Para a cerimônia de premiação da 10ª edição do festival, realizada na tarde deste domingo (12/11), o cineasta Kleber Mendonça Filho e a produtora Emilie Lesclaux escolheram um agradável casarão da Rua da Soledade para a entrega dos prêmios. Como sempre, uma feijoada estava à espera dos convidados. “Foi nossa melhor edição, mas ainda não tenho números, estamos juntando o público da Fundação com o do São Luiz. A mostra L.A. Rebellion foi muito forte e houve muita discussão em torno da representação da mulher, do negro. Acho que a sociedade brasileira está em reforma e é ótimo que o Janela faça parte disso”, avaliou Kleber.
“Teve muita gente de fora. Lucrecia Martel veio, o Laurent Cantet também, foi uma grande troca de ideias. Os debates no São Luiz, à tarde, deram muito certo e as aulas no Cinema da Fundação foram um sucesso. Foi bem cansativo e a equipe está exausta. Não sei se a gente deveria diminuir o Janela, fazer em uma semana. Os outros festivais são mais curtos – o Janela tem dez dias, dois fins de semana. Este ano o Canal Brasil fez parte e tivemos a estreia do júri da Abracinne”.
Devido ao espaço, a cerimônia de premiação aconteceu no quintal do casarão da Casa Cultural Villa Ritinha, debaixo de uma árvore frondosa que resguardava Kleber e quem era chamado para apresentar categorias, receber o troféu Janela (este ano embelezado pelos vitrais do Cinema São Luiz) e agradecer. Respirando o clima de discussão e de abertura que começou no Festival de Brasília, os filmes produzidos, realizados e interpretados por negros tiveram grande visibilidade e ganharam vários prêmios. Na Mostra Competitiva de Curta-Metragem Nacional todos os filmes premiados traziam a marca da representação negra, como o prêmio de Melhor Filme para Deus, de Vinícius Silva, onde o Todo Poderoso é representado por uma mulher negra em sua luta para educar um filho.
Na justificativa do júri da categoria, formado pelo crítico Heitor Augusto, pela curadora Mariana Souto e pela realizadora pernambucana Milena Times, Deus ganhou o prêmio “por navegar com segurança e sensibilidade entre um retrato duro do cotidiano e a construção de afeto e ternura, por meio de um olhar que não hierarquiza ambas as instâncias; pela habilidade de encenar a intimidade (entre mãe e filho, protagonistas negros, algo ainda urgente no cinema brasileiro), pela atenção à geografia de um bairro e de uma casa; por evitar cair tanto num miserabilismo social voyeurista quanto num lúdico esvaziado e domesticado”.
Após o troféu entregue por Milena, o paulistano Vinícius Silva, morador da Zona Leste de São Paulo, que foi estudar cinema na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande Sul, devido a nota alcançada no Sisu (Sistema de Seleção Unificada), estava visivelmente emocionado. “O filme foi criado num quartinho, um bagulho muito meu, e todo mundo se identifica com ele. Estava chorando nesse quartinho, passando por uma crise existencial, e achava que só os meus iriam se identificar. É apenas o meu primeiro filme, feito para a conclusão do curso e ainda estou aprendendo”, disse no discurso de agradecimento.
Além da premiação oficial, Deus ganhou o Prêmio ABD (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas de Pernambuco – ABD/PE) e o Prêmio de Melhor Filme para Reflexão da Fepec (Federação Pernambucana de Cineclubes). O júri de curtas nacionais também premiou outros quatro filmes realizados por cineastas negros e negras, como Travessia, de Safira Moreira; Pele Suja, Minha Carne, de Bruno Ribeiro; Nada, de Gabriel Martins; Experimentando o Vermelho em Dilúvio, de Michelle Mattiuzzi, que recebeu uma menção honrosa Pelo Fim da Cordialidade. O curta ainda ganhou o prêmio Canal Brasil, no valor de R$ 15 mil. No filme, a própria cineasta se autoimola com alfinetes que perfuram sua boca, numa cena de grande impacto emocional.
Apesar da grande presença da negritude em todo o festival (além dos filmes nacionais, a Mostra L.A. Rebellion trouxe para a atualidade a força do grupo de cineastas negros americanos que atuaram na Universidade da Califórnia nas décadas de 1980 e 1980), os representantes da Janela Crítica acharam que o festival demorou muito para abrir um espaço representativo. “Eu queria que vocês olhassem ao redor para ver as pessoas que estão aqui. Quantas pessoas pretas estão na produção, na curadoria e quantas estão nos servindo aqui hoje, por exemplo? É só olhar para elas que a gente sabe qual é a cor delas”, disse Anthony Ribeiro, um dos jovens críticos negros do Janela Crítica, o espaço do festival em que se exercita a criação de textos sobre os filmes do festival.
Entre os curtas pernambucanos que estavam na mostra competitiva, o único lembrado foi o experimental O Olho e o Espírito, de Amanda Beça, que ganhou o Prêmio Portomídia (120h de estúdio para finalização de imagem e/ou som concedido, além da produção de um DCP). Na Mostra Competitiva de Longas, o prêmio de Melhor Filme foi para o francês Jovem Mulher, de Léonor Serraille, que foi produzido por uma equipe quase que completamente feminina.
Premiados do X Janela Internacional de Cinema do Recife
MOSTRA COMPETITIVA DE LONGAS-METRAGENS:
Melhor Longa: “Jovem Mulher” (França/Bélgica), de Léonor Serraille
Melhor Montagem: “Que o Verão Nunca Mais Volte” (Alemanha/Geórgia), de Alexandre Koberidze
Melhor Som: “A Fábrica de Nada” (Portugal), de Pedro Pinho
Melhor Imagem: “As Boas Maneiras” (Brasil/França), de Juliana Rojas e Marco Dutra
Menção Especial: "Baronesa' (Brasil), de Juliana Antunes
MOSTRA COMPETITIVA DE CURTA-METRAGEM INTERNACIONAL:
Melhor curta internacional: “La Bouche” (França), de Camilo Restrepo
Melhor Imagem: “Pussy” (Polônia), de Renata Gasiorowska
Melhor Som: “Impossible figures and other stories II” (Polônia), de Marta Pajek
Melhor Montagem: “Borderhole”(México/Estados Unidos/Colômbia), de Amber Bemak e Nadia Granados
MOSTRA COMPETITIVA DE CURTA-METRAGEM NACIONAL:
Melhor curta nacional: “Deus” (RS/SP), de Vinícius Silva
Melhor imagem: “Travessia” (BA), de Safira Moreira
Melhor montagem: “Pele suja, minha carne” (RJ), de Bruno Ribeiro
Melhor Som: “Nada” (MG), de Gabriel Martins
Menção Honrosa/Especial do Júri: “Nada” (MG), de Gabriel Martins
Menção Honrosa (Pelo fim da Cordialidade): “Experimentando o vermelho em dilúvio” (RJ), de Michelle Mattiuzzi
PRÊMIO JANELA CRÍTICA:
Melhor curta nacional: “Travessia” (BA), de Safira Moreira
Melhor curta internacional: “La Bouche” (França), de Camilo Restrepo
Melhor Longa: "Era uma vez Brasília" (DF), de Adirley Queirós
Menção Honrosa: “Pele suja, minha carne” (RJ), de Bruno Ribeiro
PRÊMIO ABD (Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas de Pernambuco - ABD/PE):
“Deus” (RS/SP), de Vinícius Silva
Menção Honrosa: “Travessia” (BA), de Safira Moreira
PRÊMIO OFERECIDO PELO PORTOMÍDIA (120h de estúdio para finalização de imagem e/ou som concedido para o melhor filme pernambucano do festival):
"O Olho e o Espírito" (PE), de Amanda Beça
PRÊMIO CANAL BRASIL:
“Experimentando o vermelho em dilúvio” (RJ), de Michelle Mattiuzzi
PRÊMIO FEPEC (Federação Pernambucana de Cineclubes)
Melhor Filme para Reflexão: “Deus” (RS/SP), de Vinícius Silva
Menção Honrosa: “Experimentando o vermelho em dilúvio” (RJ), de Michelle Mattiuzzi
PRÊMIO JÚRI ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema)
“Que o Verão Nunca Mais Volte” (Alemanha/Geórgia), de Alexandre Koberidze
PRÊMIO JOÃO SAMPAIO PARA FILMES FINÍSSIMOS QUE CELEBRAM A VIDA
"66 Cinemas" (Alemanha), de Philipp Hartmann.