Toda morte é surpreendente – mesmo para quem está doente ou já atingiu uma idade avançada. Apesar de estar beirando os 90 anos, que completaria no dia 22 de outubro, a morte do cineasta Nelson Pereira dos Santos, no último sábado (21), pegou os brasileiros de surpresa. Com 60 anos de carreira profissional ligada ao cinema, parecia que Nelson já era imortal – o que de fato ele era, pois foi o primeiro cineasta brasileiro a ingressar na Academia Brasileira de Letras, onde será velado a partir das 9h desta segunda-feira (23/3), com o enterro marcado para às 16h, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro.
Durante todo o fim de semana, cineastas e cinéfilos lamentaram a morte de Nelson nas redes sociais, onde lembraram a importância dos seus filmes e de sua personalidade afetuosa. “Nelson não sentia maior apelo por teorias cinematográficas, para ele prevalecia a prática. Filmar com ele era como embarcar em um carrossel de alegria e criatividade”, escreveu Ana Maria Magalhães, a atriz que interpretou a índia Seboipepe em Como Era Gostoso o Meu Francês e com quem teve um filho (Diogo Dahl).
Para o cineasta amazonense Aurélio Michiles, “Nelson Pereira dos Santos nos deixou um generoso rio Amazonas de influências, a sua filmografia é referência para o nosso cinema e ao mesmo tempo que o coloca entre os grandes cineastas do cinema mundial”. “Como me dói tomar conhecimento da morte de Nelson Pereira dos Santos”, escreveu o jornalista e crítico de cinema pernambucano Celso Marconi, que teve um dos seus livros apresentados pelo cineasta.
RENOVAÇÃO
Paulista de nascimento, de pai alfaiate e mãe descendente de italianos, Nelson ficou em São Paulo até terminar o curso de direito, em 1951. Durante essa época, ele participou de um cineclube e fez política estudantil, ao mesmo tempo em que se dedicava ao jornalismo e à crítica de cinema no jornal do Partido Comunista Brasileiro. Ele ainda passou uma temporada na França, onde frequentou a Cinemateca Francesa, até se mudar para o Rio de Janeiro, onde viveria por toda a vida.
É ponto pacífico para os historiadores que Nelson Pereira dos Santos, com a realização de Rio 40 Graus, em 1955, fez o cinema brasileiro entrar numa nova era. Pela primeira vez, influenciado pelo Neo-realismo Italiano, o Brasil tinha um cineasta que olha para o seu povo. Aos 27 anos, Nelson se tornaria o pai espiritual da geração de jovens que fundariam o movimento Cinema Novo, ao qual ele fez parte com os amigos Glauber Rocha, Cacá Diegues, Leon Hirszman, Paulo César Saraceni, Gustavo Dahl, Arnaldo Jabor e David Neves, entre outros.
No fim do mês passado, Nelson foi homenageado no Recife na reabertura do Cinema da Fundação/Derby, com a exibição do seu maior clássico, o longa-metragem Vidas Secas, adaptado do romance homônimo de Graciliano Ramos. A literatura brasileira foi uma das fontes principais do seu cinema, com adaptações também de Jorge Amado, Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre.
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No ano 2000, ele esteve no Recife para dirigir uma série de TV baseada em Casa-Grande e Senzala, que contou com a colaboração do professor Edson Nery da Fonseca e da Companhia Teatro de Seraphim, dirigida por Antonio Cadengue.